segunda-feira, 21 de junho de 2010

Os Médiuns são os Intérpretes dos Espíritos - I

“Os médiuns são os intérpretes dos Espíritos. Suprem o organismo material que falta a estes, para nos transmitirem as suas instruções. Eis porque são dotados de faculdades para este fim”. (Allan Kardec, [1])

Sabe-se que o intérprete é o indivíduo que serve como tradutor entre duas pessoas que não falam a mesma língua e que, a depender do seu conhecimento mais ou menos profundo acerca das duas línguas, sua tradução será mais ou menos fiel ao pensamento emitido por cada uma das duas pessoas.

O médium encontra-se nesta posição porque, estando ligado ao corpo que serve para a comunicação, e possuindo as ferramentas necessárias para o processo de captação, processamento e transmissão do pensamento dos comunicantes, pode transmiti-los convertendo-os, em palavra escrita ou falada.

Cabe definir antes de qualquer coisa que a palavra passivo que usaremos pode ser entendida de duas maneiras: no sentido de ficar indiferente ao que se passa com ele e no sentido de não deixar que seus pensamentos, preconceitos e atavismos pessoais interfiram na comunicação de que se faz intérprete. Esta explicação é importantíssima para que se entenda qual a interpretação que se deva fazer deste vocábulo quando usado neste artigo. Para o sentido de inerte, usaremos o SER passivo e no sentido de não interferir na comunicação, usaremos o ESTAR passivo ou o DAR passividade.

Podemos observar no capítulo XIX de O Livro dos Médiuns que, como informam Erasto e Timóteo, dois lúcidos e experimentados instrutores da espiritualidade, conforme opinião de Kardec, para as comunicações que os Espíritos mantêm uns com os outros, ou conosco, diretamente, elas realizam-se unicamente pela irradiação do pensamento.

Ainda segundo Kardec “o Espírito comunicante compreende todas as línguas [...], pois as línguas são formas de expressão do pensamento e o Espírito compreende pelo pensamento”. ([2] Ver a Revista Espírita de outubro de 1864, Ed. FEB, página 407)

E é justamente isto que afirmam os dois instrutores já citados, pois: “[...] os Espíritos não têm necessidades de vestir os seus pensamentos com palavras. Eles os percebem e os transmitem naturalmente entre si. Os seres encarnados pelo contrário, só podem comunicar-se pelo pensamento traduzido em palavras. Enquanto a letra, a palavra, o substantivo, o verbo, a frase, enfim, vos são necessários para percepção, mesmo mental, nenhuma forma visível ou tangível é necessária para nós”. ([3]; procurar na Revista Espírita de maio de 1859, uma nota à pergunta 43, na p. 180, Ed. FEB)

Aqui nota-se claramente a importância do médium como intérprete dos Espíritos, suprindo nestes o organismo material que lhes falta para transmitirem seus despachos. Muito interessante também é notar que os Espíritos comunicam-se pelo pensamento puro, e não precisam “falar”, como o fazemos aqui, enquanto encarnados, o que nos dá a entender que isto é um verdadeiro ‘atavismo’, ou seja, resquícios da necessidade de se comunicar através da fala que ainda permanece com os Espíritos comunicantes.

Cabe aqui, ainda, uma pequena reflexão sobre este ponto: Hermínio C. Miranda, notável escritor Espírita, em um de seus magníficos livros, o Diversidade dos Carismas [6], comenta que Regina (médium e personagem principal utilizada no ‘enredo’ deste livro) observa que nos livros de André Luiz todo mundo fala. Miranda entende que existem duas razões principais para que isto se dê. Primeira: os livros do André são narrativas dramatizadas, escritas em linguagem didática, na qual o pensamento já aparece convertido em palavras. Segunda: os diálogos reproduzidos pelo autor espiritual não são comunicações mediúnicas, mas conversações entre espíritos desencarnados.

Foi por isso que Kardec enfatizou o cuidado que devemos ter ao interpretar as expressões usadas pelos Espíritos, bem como seus ditados, nunca os tomando ao pé da letra para não nos expormos a grandes decepções. É por isso que precisamos aprofundar sempre o sentido de suas palavras e expressões quando apresentam a menor ambigüidade. Recomendação esta endossada pelos próprios Espíritos.

É por este motivo que ao dirigir-se ao Espírito encarnado no médium, como informaram os instrutores da Codificação a Kardec, eles não o fazem em francês, português, grego ou latim, mas pela “língua universal que é a do pensamento”. Importante esclarecimento que os Espíritos fizeram questão de reforçar.

Hermínio C. Miranda, no mesmo livro, comentando acerca deste assunto afirma que é “exatamente por isso, ou seja, por não se comunicarem por meio de palavras, eles transmitem aos médiuns seus pensamentos e deixam a cargo do instrumento vesti-los, obviamente, na língua própria do sensitivo”. [7]

Este raciocínio nos leva diretamente a outro problema: para traduzir as suas ideias numa linguagem articulada, transmissível através de algum código lingüístico, ele utilizará as palavras e conhecimentos disponíveis no vocabulário do médium. Ou seja: quando querem ditar alguma mensagem, espontaneamente ou não, eles agem sobre o cérebro, nos “arquivos mentais” deles, onde juntam aos seus materiais os elementos necessários fornecidos pelos médiuns. E tudo isto sem que o médium perceba. Essa é também a opinião de Kardec, quando afirma que “[...] o Espírito não se serve das ideias do médium, mas dos materiais necessários para exprimir os seus próprios pensamentos, existentes no cérebro do médium, e de que, quanto mais rico for o cérebro, mais fácil se torna a comunicação”. [5]

De acordo com o exemplo dado pelos dois instrutores desencarnados é como se eles retirassem da bolsa do médium o seu dinheiro e o dispusessem na ordem que mais lhe agradassem para melhor expressar uma soma, ou, no caso, um pensamento.

Tentando melhorar a compreensão do fenômeno eles explicam que se dá o mesmo quando olhamos diversos lugares com óculos coloridos, tendo lentes azuis, verdes ou brancas: embora os objetos e lugares pertençam ao mesmo trecho, embora com aspectos distintos, eles aparecerão sempre com a coloração dada pelas lentes.

É por isso que quando Kardec pergunta se o Espírito do médium exerce alguma influência sobre as comunicações que fluem por seu intermédio, os Espíritos respondem de maneira taxativa:

“Sim, pois se não há afinidade entre eles, o Espírito do médium pode alterar as respostas, adaptando-as às suas próprias ideias e às suas tendências. Mas, não exerce nenhuma influência sobre os Espíritos comunicantes. É apenas um mau intérprete”. [4]

O bom médium, desta forma, é aquele que transmite tão fielmente quanto possa o pensamento do comunicante, interferindo o mínimo que seja (como faz o intérprete), naquilo que este tem a dizer. Segundo os Espíritos, este é o motivo pela preferência por certos médiuns, pois eles procuram intérpretes que melhor simpatizem com eles e que transmitam com muito maior precisão seus pensamentos.

Sem que haja simpatia entre eles, uma verdadeira afinidade fluídica, o médium será sempre um entrave, oferecendo resistência e tornando-se um intérprete de má vontade e quase sempre infiel. Por isso ele jamais é passivo, ou melhor, ele só é passivo quando não mistura suas ideias com as do comunicante, sendo fiel ao trabalho de tradução mesmo que discorde do que está sendo dito. É um verdadeiro treinamento disciplinar.

Hermínio Miranda reitera, ainda, que não há fenômeno mediúnico sem a participação anímica. “O cuidado que se torna necessário ter na dinâmica do fenômeno não é colocar o médium sob suspeita [...], e sim, ajudá-lo a ser um instrumento fiel, traduzindo em palavras adequadas o pensamento que lhe está sendo transmitido sem palavras pelos Espíritos comunicantes” [7].

Até porque a alma do médium pode se comunicar como a de qualquer pessoa quando goza de certo grau de liberdade. E principalmente: é oportuno enfatizar que em nosso contexto terreno, a manifestação de seres desencarnados, seja em fenômenos de efeitos físicos ou inteligentes, não dispensa a atuação do médium.

Referências:

[1] Kardec, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Tradução de J. Herculano Pires,
[2] _____________. O Livro dos Médiuns. Tradução da 2ª edição francesa por J. Herculano Pires. São Paulo – LAKE, 2004, cap. XIX, item 224, p. 192
[3] Idem, ibidem. Cap. XIX, p. 197.
[4] Idem, ibidem. Cap. XIX, q. 7, p. 188.
[5] Idem, ibidem. Cap. XIX, p.198.
[6] Miranda, Hermínio C. Diversidade dos Carismas. 4ª Ed. São Paulo, SP – Lachâtre, 2006, cap. XVI, p. 385.
[7] Idem, ibidem. Cap. III, p. 96.

Nota: esta é a primeira parte deste assunto que acho interessantíssimo e importantíssimo. A segunda parte, e última, será postada posteriormente.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Informativo:

Informamos aos nossos leitores que o texto anunciado e publicado foi retirado pra uma revisão a pedido do autor e após a advertência de uma querida leitora - a Zilda -.

Daqui para domingo postaremos talvez um texto novo ou a versão corrigida de Espiritismo e o Período da Cidadania.

Agradecemos as mensagens de alerta e as outras elogiosas.

Um forte abraço,

Anderson Santiago.