quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Mostra Espírita 2010 – Impressões Gerais

Falar da Mostra Espírita é falar de um evento já tradicional na capital pernambucana. Que, como todo e qualquer evento com a temática espírita, tem a obrigação de levar ao público espírita e não espírita que faz questão de participar a verdade espírita, os princípios lógicos e racionais que a fundamentam e a realidade sobre o movimento espíritac com qualidade, seja ele como um todo, nacional, seja ele particularizado, regional, pernambucano.


Os palestrantes presentes foram Antonio Cesar Perri (DF), Frederico Menezes (PE), Sandra Borba (RN), Juselma Maria Coelho (MG), Spencer Júnior (PE), Wagner Gomes da Paixão (MG), Marival Veloso de Matos (MG) e Sérgio Ramos (PE). O evento aconteceu entre os dias 17, 18 e 19 de setembro. Bom, alguns leitores do meu blog já devem ter lido a outra resenha que fiz deste evento, no ano de 2008. Quem ainda não leu, aconselho que o leia, se quiser saber qual foi a nossa opinião sobre o mesmo [1].


Este ano o evento tem o objetivo de prestar uma homenagem a Francisco Cândido Xavier, mais conhecido como Chico Xavier, grande médium, homem boníssimo, mas que não escapou às imperfeições humanas. Entretanto, seu amor, sua compaixão pelo próximo auxiliam a que possamos mensurar a grandeza de tão bela alma. Embora saibamos que não existem médiuns perfeitos [2], deveríamos nos contentar com o fato de que “o melhor é o que, simpatizando somente com os bons Espíritos, tem sido enganado menos vezes”.


Entretanto, não é porque é “do Chico” que devemos aceitar toda e qualquer informação psicografada sem análise crítica [3] nem supor que nada de ‘equivocado’ possa vir por ele, pois isso só prova que se desconhece o Espiritismo, notadamente os ensinos contidos em O Livro dos Médiuns, livro básico, e até hoje primordial e atualíssimo. Até porque Chico não é, nem foi um santo, muito menos um Espírito Superior reencarnado na Terra. Sua vida é um exemplo de como um Espírito como qualquer um de nós, que deseja casar, ter filhos, sabe, viver como vivemos, consegue superar-se e doar-se, sacrificar-se para levar a bom termo seu mediunato [4].


A escolha da temática não é ruim, é muito boa, entretanto, ficamos nos questionando do ‘por que’ se colocar duas análises sobre duas obras bastante polêmicas e, uma em questão, bastante criticada e omitir a fantástica parceria existente entre Chico e Herculano Pires, considerado por Emmanuel como “o melhor metro que mediu Kardec”, quando este último tomou para si a incumbência de resgatar um espaço existente nos Diários Associados mal aproveitado para publicar textos com mensagens psicografadas de Emmanuel e do próprio Herculano com o pseudônimo de Irmão Saulo? Parceria esta que durou em torno de 10 anos?


Porque omitir a coragem que teve o Chico, estimulado por Herculano Pires, de se defender da acusação de ter sido o ‘mentor’ da primeira tentativa de adulteração de O Evangelho segundo o Espiritismo? Por que não falar dos livros publicados pelos dois (Astronautas do Além, Chico Xavier Pede Licença, Diálogo dos Vivos, Na Era do Espírito e Na Hora do Testemunho), em uma parceria prodigiosa, sendo este último, inclusive, um claro protesto e tentativa de esclarecimento sobre a questão da adulteração?


E a parceria entre o Chico e Waldo Vieira, antes dele se desgostar com o movimento espírita brasileiro e fundar a Conscienciologia? Quantos livros não foram publicados? Como o foram? Sabe, tinha tanta coisa boa, em vez de se ficar exaltando desnecessariamente o médium, colocando-o em um pedestal que ele nunca quis usar.


De todos os que usaram a tribuna, para mim os melhores foram Sandra Borba (RN), Spencer Júnior (PE) e Juselma Maria Coelho (MG). E como eu não desejo ultrapassar os limites de uma resenha irei comentar apenas estes três.


O tema proposto a Juselma foi “Resultantes da atuação de Chico Xavier aos sábados, na sombra do abacateiro”. Diferente de outras vezes eu gostei muito da palestra dela. Ela ressaltou a importância que os estudos sobre O Evangelho segundo o Espiritismo, feitos por Chico teve na vida de cada pessoa envolvida, citou histórias contadas por Chico, inclusive uma de Kardec sobre a intuição de seu desencarne e sua insistência em pedir para que sua esposa o representasse na inauguração da primeira livraria espírita do mundo, o que ocorreria um dia após o seu desencarne. Como não conheço esta estória, se ocorreu mesmo ou não, prefiro ficar com o benefício da dúvida, sem lançar descrédito sobre quem a contou.


A palestra de Spencer Júnior, muito conhecido aqui em Recife e em todo o estado teve como tema “Chico Xavier, uma vivência integral na prática do bem ao próximo”. Quem o conhece sabe que ele não consegue largar com facilidade o jargão técnico, o que, muitas vezes dificulta o entendimento do público não afeito à linguagem mais erudita, mais acadêmica. Entretanto, nesta palestra ele conseguiu intercalar algumas citações de Nietzche, por exemplo, ao chamar Chico de ”homem demasiadamente humano”, e outras de Kant e Montesquieu, no claro intuito de demonstrar que Chico nunca quis ser endeusado, tido como médium perfeito, muito menos como infalível, com outras sobre sua infância na louvável intenção de tornar mais clara a sua abordagem sobre o tema. Ele, o Chico, sempre teve noção do que era e de suas limitações, não desejando que suas obras, ou melhor, que as obras que psicografou fossem tidas como intocáveis e, muito menos, que os erros dos Espíritos fossem omitidos para salvaguardar o seu nome. E, ignorando a linguagem muito técnica usada algumas vezes, sua palestra foi ótima.


Sandra Borba Pereira veio em seguida com o tema “Considerações sobre a obra ‘Brasil Coração do Mundo, Pátria do Evangelho’”, a primeira das duas obras que chamei de polêmicas. Esta já recebeu inúmeras críticas por apresentar um Jesus que não sabe onde fica o Brasil, que precisa ser consolado e que apresenta um ‘anjo’ como protetor do Brasil. Inúmeras são as incoerências desta obra que em tempo futuro tentaremos abordar de maneira imparcial, como deve ser uma crítica espírita, tendo como bússola, acima de tudo, a Codificação deixada pelos Espíritos. Sandra gastou um tempo enorme ‘preparando’ os ouvintes e acabou falando de outros assuntos, assumindo aparentemente como verdadeira a tese esposada na obra, se detendo boa parte do tempo em falar de questões hermenêuticas e em trazer informações que referendassem as opiniões exaradas na obra. Ficamos um tanto desapontados pois de fato não houve uma apreciação crítica da obra, mas, ao menos, a palestra foi boa. Ela afirmou que “o intérprete tem consigo todo o conjunto das suas experiências” e que dentro do processo hermenêutico cada intérprete está condicionado ao seu horizonte cultural, a um contexto específico diferente do contexto muitas vezes analisado. Desta forma o autor do livro que deu origem a esta palestra, no caso Humberto de Campos, estava condicionado a um contexto específico, vivenciado em sua última experiência física. Entretanto, não vemos isto como desculpa para os inúmeros erros encontrados na obra, mesmo com toda a condescendência possível. Ela finalizou sua alocução citando um conselho dado por Kardec em seu opúsculo Viagem Espírita em 1862, de que os Espíritas e o Espiritismo precisavam manter em foco estes três conselhos: a importância da unidade doutrinária, para que não comecem a surgir ‘seitas’ ou ‘correntes’ discrepantes dentro do Espiritismo, desfigurando-o como aconteceu com o Cristianismo, criando um Espiritismo à moda da casa. Ou seja, quando encontramos na Codificação que o perispírito é UM órgão do Espírito, entendendo-se perfeitamente o que isto quer dizer, e que ele não possui órgãos, como podemos aceitar obras que digam o contrário sem realizar uma verdadeira análise crítica como as que Kardec fazia? O outro ponto é a necessidade de organização do movimento, em torno da Doutrina. A autoridade dos ‘centros maiores’ ou mais respeitados deve ser apenas moral e não material. A questão da organização do Espiritismo sempre foi algo que preocupou muito o Codificador pelo fato de que, já à sua época, muitos queriam usar o Espiritismo como alavanca para obter facilidades financeiras, cargos políticos e inúmeros outros interesses menos edificantes. O último ponto é a importância de nos mantermos unidos em torno de um mesmo ideal, no intuito de que não surgissem cismas, nem divisões fundadas em interesses egoístas, individuais. Ver o texto com o nome de Cismas na segunda parte de Obras Póstumas.


Bom, minha alegria em ter participado do evento foi enorme. Pude, além disso, fazer novos amigos, trocar experiências, e assistir a boas palestras. Espero que a temática da Mostra Espírita 2011 seja a comemoração dos 150 anos de O Livro dos Médiuns e que palestrantes como Dora Incontri, Sergio Aleixo, Cosme Massi, Astrid Sayegh, Heloísa Pires - filha do saudoso J. Herculano Pires - possam ser convidados para abrilhantar ainda mais este evento. Que Deus abençoe a presidenta da FEP, a senhora Ednar Santos, a coordenação que cuida do evento, todos os que de forma direta ou indireta contribuem para a organização do mesmo e que o ano que vem chegue repleto de bons palestrantes, boas vibrações e com O Livro dos Médiuns tendo o destaque que merece!


Abraços e até a próxima.

Referências:


[1] http://analisesespiritas.blogspot.com/2008/10/um-rpido-olhar-sobre-xvii-mostra.html

[2] O Livro dos Médiuns, cap. XX, q. 9, p. 201, LAKE.

[3] http://analisesespiritas.blogspot.com/2010/05/o-valor-da-analise-critica.html

[4] Como informa Kardec no capítulo XXXII de O Livro dos Médiuns, esta palavra foi criada pelos Espíritos e significa “missão providencial dos médiuns”.


terça-feira, 7 de setembro de 2010

Reflexões sobre o Espiritismo e o Espiritualismo

Conceitua-se o Espiritualismo como uma corrente filosófica que afirma a existência do espírito, considerando-o uma realidade independente da matéria e superior a ela. Tendo isto em vista, esclarece o codificador que, ”com efeito, o Espiritualismo é o oposto do materialismo; quem quer que acredite haver em si mesmo alguma coisa além da matéria é espiritualista; mas não segue daí que creia na existência dos Espíritos ou em suas comunicações” [1].


José Herculano Pires defende que a origem das doutrinas espiritualistas está na mediunidade, pelo fato de ser ela inerente à natureza humana [6]. Até porque “sendo as manifestações [mediúnicas] a conseqüência do incessante contato dos Espíritos e dos homens, elas existiram em todos os tempos; estão na ordem das Leis da Natureza e nada têm de miraculoso, seja qual for a forma sob a qual se apresentam”. [5]


Sabemos como atestam as obras dos mais eminentes antropólogos e sociólogos que a crença na imortalidade da alma, em sua sobrevivência após a morte, nas comunicações com os Espíritos, e todas as suas conseqüências, perde-se na noite dos tempos. É por isso que encontramos indícios destas crenças na maioria dos documentos sagrados e profanos de todas as épocas.


“havia na antiguidade [...] alguns indivíduos que estavam em posse daquilo que consideravam uma ciência sagrada e da qual faziam mistério para os que consideravam profanos. Deveis compreender, com o que conheceis das leis que regem esses fenômenos, que eles recebiam apenas verdades esparsas no meio de um conjunto equívoco e na maioria das vezes alegórico” [2].


Sendo a mediunidade uma condição natural da espécie humana, compreende-se facilmente que as diferenças existentes entre as diversas escolas espiritualistas devem-se tanto à capacidade que tinham os homens de interpretarem e compreenderem estes fenômenos, quanto os interesses que motivavam estas interpretações. Na antiguidade, como nos indica a questão 628, alguns indivíduos julgando estar de posse de uma ciência sagrada julgaram por bem transmiti-los somente a quem considerassem aptos para apreender-lhes os princípios. Encontramos aqui a origem dos rituais de iniciação.


Todas as grandes religiões do passado tiveram duas faces. Uma aparente, outra oculta. É correto afirmarmos que debaixo de todos os símbolos materiais encontraremos sempre, e de forma oculta, um sentido profundo. Entretanto,


“a mediocridade dos homens não era apta a perceber as coisas do Espírito, e bem depressa as religiões perderam a sua simplicidade e pureza primitivas. As verdades que tinham sido ensinadas foram sufocadas sob os pormenores de uma interpretação grosseira e material. Abusou-se dos símbolos para chocar a imaginação dos crentes, e, muito breve a ideia máter ficou sepultada e esquecida sob eles” [10].


É exatamente na Idade Média que podemos sentir este abuso de forma mais chocante. Pois, foi a partir do momento em que assumiu a posição de religião do império romano que o Cristianismo - que seria representado pela então nascente Igreja Católica - começou a perder de vista os seus valores essenciais, e passou a incorporar elementos das religiões politeístas como forma de ampliar o seu poder de persuasão e o seu raio de ação.


Tanto que é neste período que se inicia a proibição, no mundo ocidental, de práticas antigas como a evocação dos Espíritos, a crença na reencarnação como lei natural, a crença na preexistência e sobrevivência da alma após a morte, bem como todas as conseqüências inerentes a estes ensinos. E uma das conseqüências para quem ousasse desobedecer a esta proibição era ser condenado às fogueiras da inquisição.


Todavia, é a partir de meados do século XIX que a humanidade seria novamente colocada frente a frente com os mesmos fenômenos tão bem conhecidos dos povos antigos. A princípio foram as mesas girantes que tanto nos EUA quanto na Europa, e mais particularmente na França, foram estudadas por homens de eminente saber, bem como, paradoxalmente tornaram-se o divertimento dos requintados salões parisienses. Quando surgiram as primeiras manifestações mediúnicas nos EUA formou-se um movimento que ficou conhecido como Moderno Espiritualismo. Figuras importantes do cenário mundial como Artur Conan Doyle, Victor Hugo, Epes Sargent, Alfred Russel Wallace, entre outros ficariam famosos por seus trabalhos em defesa da realidade dos fenômenos mediúnicos.


É esse o motivo pelo qual Allan Kardec criou as palavras Espírita e Espiritismo. Estes neologismos tinham a capacidade de exprimir, sem equívocos, as ideias relativas à Doutrina Espírita. E ainda disse que poderíamos nos designar, também, por espiritistas.


“Para as coisas novas necessitamos de palavras novas, pois assim o exige a clareza de linguagem, para evitarmos a confusão inerente aos múltiplos sentidos dos próprios vocábulos. As palavras espiritual, espiritualista, espiritualismo têm uma significação bem definida; dar-lhes outra, para aplicá-las à Doutrina dos Espíritos, seria multiplicar as causas já tão numerosas de anfibologia” [1].


Como podemos observar, Kardec desejava distinguir os adeptos da nova doutrina dos adeptos das diversas escolas espiritualistas existentes, como o Catolicismo, o Protestantismo, o Budismo, entre outras. Ele também alertou que se tivesse dado à Revista Espírita a qualificação de espiritualista não lhe teria, de modo algum, especificado o objeto, pois ele poderia não dizer uma palavra sobre os Espíritos e até mesmo combatê-los sem deixar de atender ao seu título.


“Fossem os Espíritos uma quimera e seria ainda útil existirem termos especiais para aquilo que lhes concerne, porque são necessárias palavras para as ideias falsas como para as ideias verdadeiras” [3].


Neste momento nos defrontamos com um problema complexo e que tem dado margem a muitas confusões. É que os fatos mediúnicos, conhecidos de todos os tempos, são denominados por Kardec como fatos espíritas, mas, eles não são Espiritismo. Conforme elucida J. Herculano Pires “[...] o Espiritismo se serve dos fatos mediúnicos como de uma matéria-prima, para a elaboração de seus princípios, ou como de uma força natural, que aproveita de maneira racional” [7].


É por isso que para ele “o Espiritismo representa o momento em que o Espiritualismo, superando as fases mágicas do seu desenvolvimento, atinge o plano da razão, define-se num esquema cartesiano de ‘ideias claras e distintas’. É a isso que chamamos a estrela que saiu da nebulosa” [8]. É isto que Kardec deseja afirmar quando escreve que a Doutrina Espírita “como generalidade liga-se ao Espiritualismo, do qual apresenta uma das fases” [1].


Foi justamente por utilizar o método experimental para elaborar a doutrina que, como afirma o Codificador, o Espiritismo pôde “enfrentar o materialismo no seu próprio terreno e com as suas mesmas armas”. Desta forma, é o Espiritismo, como doutrina moderna e imbuída do espírito científico, o responsável por devolver ao Espiritualismo o prestígio perdido ante o avanço incontinenti das Ciências.


Este é um dos maiores motivos pelos quais devemos tomar muito cuidado com todas estas “verdades novas” que tem surgido através de médiuns, palestrantes e dirigentes espíritas vaidosos, que assumem ares de reveladores do novo mundo, ignorando que “o Espiritismo está certo ao condenar a formulação de teorias pessoais [...] e encarecer a necessidade da metodologia científica, para verificação da verdade espiritual” [9].


Diante de tudo o que escrevemos, fica-nos a esperança de ter auxiliado a que não seja mais possível confundir-se o Espiritismo com qualquer escola espiritualista como as diversas que podemos encontrar neste nosso Brasil e no mundo. E para finalizar, a palavra abalizada do Codificador: “[...] o que testemunhamos, hoje, portanto, não é uma descoberta moderna; é o despertar da Antiguidade, desembaraçada do envoltório místico que engendrou as superstições; da Antiguidade esclarecida pela civilização e pelo progresso nas coisas positivas” [4].



Referência bibliográfica:


[1] Kardec, Alan. O Livro dos Espíritos. Introdução, item I. Ed. LAKE.

[2] Idem, ibidem. Q. 628.

[3] Idem. O que é o Espiritismo. Segundo diálogo – o céptico, p.24. Ed. IDE.

[4] Idem. Revista Espírita, jan. de 1858, p. 24, FEB.

[5] Idem, ibidem. Abril de 1869, p. 151

[6] Pires, J. H. O Espírito e o Tempo. 1ª Parte – Fase Pré-Histórica. Ed. Paidéia.

[7] Idem, ibidem. P. 17.

[8] Idem, ibidem. p. 106.

[9] Idem, ibidem. p.105.

[10] Denis, Leon. Depois da Morte. P. 25. FEB.


Texto baseado em palestra dada no dia 05 de setembro de 2010 no C.E. Paulo de Tarso, em afogados.