terça-feira, 18 de outubro de 2011

Analisando o texto “EMMANUELISMO”?!

Foi dito em artigo anterior que todo adepto do Espiritismo deve ser bastante cuidadoso ao emitir uma opinião sobre algum princípio espírita, notadamente quando tenta oferecer uma complementação ou o relaciona com alguma área de pesquisa científica atual como a Física Quântica.
O mesmo pode ser dito sobre tudo o que vem dos Espíritos. Vários artigos já foram publicados [1] sobre este assunto e recomendo a leitura dos mesmos. O objetivo deste artigo é analisar a mensagem psicografada por Carlos Baccelli de autoria do Espírito que se intitula como Inácio Ferreira. O título do texto é o mesmo deste artigo e pode ser lido no blog Mediunidade na Internet [2].
O autor espiritual inicia seu texto reclamando que de quando em quando são publicadas em sites, blogs e periódicos espíritas, críticas sobre Emmanuel e sua obra que quase sempre descambam para o aspecto pessoal, no qual nem os desencarnados são poupados. É muito curioso observar ele reclamar da crítica, pois é muito natural que após a publicação de um texto surjam outros emitindo pareceres, sejam eles elogiosos, sejam eles apontando os equívocos, os exageros, entre outras coisas. Cabe analisar o porquê dele não gostar da crítica. Acaso ela não serve para nada? Aconselho aqui a leitura do artigo O Valor da Análise Crítica para maior aprofundamento quanto a este tema. Sobre isto, já afirmava Kardec que

Os Espíritos bons jamais se ofendem [com as críticas], pois eles mesmos nos aconselham a proceder assim e nada têm a temer do exame. Somente os maus se melindram e procuram dissuadir-nos, porque têm tudo a perder. E por esta mesma atitude provam o que são”.

E que

 “A linguagem dos Espíritos superiores é sempre digna, elevada, nobre, sem qualquer mistura de trivialidade. Eles dizem tudo com simplicidade e modéstia, nunca se vangloriam, não fazem jamais exibição do seu saber nem de sua posição entre os demais. A linguagem dos Espíritos inferiores ou vulgares é sempre algum reflexo das paixões humanas. Toda expressão que revele baixeza, auto-suficiência, arrogância, fanfarronice, mordacidade é sinal característico de inferioridade. E de mistificação, se o Espírito se apresenta com um nome venerado” [3].

O que podemos inferir destas citações? Primeiro, que ele não é superior. Obviamente, se formos analisá-lo conforme nos orienta O Livro dos Médiuns, logo perceberemos que ele está situado entre a classe dos Espíritos inferiores e que os seus textos necessitam de extrema cautela ao serem lidos. Segundo, e não menos importante: se ele está no mesmo patamar que aqueles a quem ele deseja censurar, com que autoridade ele deseja avaliar se os críticos do Emmanuel têm gabarito moral e/ou doutrinário para emitirem pareceres sobre a sua obra? E ainda cabe mais um questionamento: como saber se este Inácio é aquele mesmo Inácio Ferreira, médico e a quem devemos respeitar a memória por tudo o que fez? Já houve alguma tentativa de realizar alguma forma de investigação que permitisse estabelecer a identidade deste Espírito como sendo o do médico desencarnado? Não é nossa intenção colocar em dúvida o trabalho do Baccelli, entretanto, questionamentos como esses não devem, nem deveriam, ser vistos como absurdos para quem conhece as dificuldades inerentes relacionadas a toda fenomenologia mediúnica. Em seguida ele comete um exagero difícil de deixar passar despercebido: afirma ser Emmanuel um dos integrantes da falange do Espírito da Verdade! Já pesquisamos um bocado e não encontramos justificativas para esta afirmação a não ser o desejo de fazer de uma opinião uma verdade (sem verificação). Embora exista uma mensagem em O Evangelho segundo o Espiritismo cujo autor assina como Emmanuel, como provar que este é aquele? Fundamentado em quais informações? Enxergo aí, e isto é uma hipótese, uma tentativa forçada de tentar legitimar toda a obra do Emmanuel, não através do que ela possa representar o que seria muito louvável, mas, através de uma pretensa ‘autoridade’ que ela possa adquirir com esta ligação com a falange do Espírito Verdade. Este é o tipo de informação que se encaixa na orientação do Codificador de que

“[...] Para tudo o que está fora do ensino exclusivamente moral, as revelações que alguém possa obter são de caráter individual, sem autenticidade, e devem ser consideradas como opiniões pessoais deste ou daquele Espírito, sendo imprudência aceitá-las e propagá-las levianamente como verdades absolutas” [4].
           
            De acordo com a citação acima, seria imprudência, senão irresponsabilidade, divulgar como verdade verificada informações deste teor. Irresponsabilidade também é supor que todos os que criticarem Emmanuel ou qualquer Espírito que tenha psicografado através do Chico são necessariamente desprovidos de conhecimento doutrinário ou de autoridade moral. E é esta a atitude do Espírito em sua mensagem como já dissemos mais acima. Diferente é quando o ofensor não apresenta argumentos, somente agressões. Entretanto, estes são uma minoria, embora suas opiniões não devam ser ignoradas pelo simples fato de que podem nos apontar caminhos novos, quando bem analisadas. Já diria Santo Agostinho [ao falar sobre o autoconhecimento] que a opinião dos que são contra nós são desprovidas do desejo de nos agradar, portanto, não tem interesse em mascarar a verdade sob uma falsa noção de discrição e ‘sentimento caritativo’ e por isso, quando bem analisadas, elas podem ser valiosíssimas.
            Da mesma forma querer atribuir ao Emmanuel a responsabilidade por intermediar o pensamento do Cristo e sem o qual o Espiritismo não teria se “caracterizado como o consolador prometido por Jesus, porque, evidentemente, na época em que viveu, Kardec teve que agir com a maior prudência a fim de que as suas obras não fossem censuradas pela Igreja é um absurdo sem tamanho. Quer dizer que Jesus só tinha este Espírito em condições de servir de intermediário para transmitir seus pensamentos? Em lugar algum desta nossa vasta Terra se encontrariam outro médium e equipe espiritual em condições de fazer o mesmo? Este é um absurdo sem tamanho!
            Como se pode ver, o audacioso “repórter do além” consegue a proeza de exagerar o papel do protetor do Chico dentro do movimento espírita e ainda distorcer a história.  Sobre a Doutrina Espírita não ter se “caracterizado como consolador prometido”, é justamente o contrário o que encontramos em O Evangelho segundo o Espiritismo:

“Assim realiza o Espiritismo o que Jesus disse do consolador prometido: conhecimento das coisas, que faz o homem saber de onde vem, para onde vai e porque está na Terra, lembrança dos verdadeiros princípios da lei de Deus, e consolação pela fé e pela esperança” [5].

            Convenhamos que isto seja muito mais do que se ‘caracterizar’ como consolador prometido! E todas as outras afirmações contidas em O Evangelho segundo o Espiritismo, focando apenas uma das mais de quinze obras que formam a base fundamental dos ensinos espíritas, afirmando que o Espiritismo cumpria a promessa do Cristo como Consolador? Será que o Inácio não tem tempo de estudar as obras fundamentais do Espiritismo no mundo espiritual? E as Revistas Espíritas, será que ele nunca as estudou? Pois para afirmar que Kardec teve de agir com prudência para que suas obras não fossem censuradas pela Igreja é ignorar o Auto de fé de Barcelona conforme relato encontrado na Revista Espírita de 1861, no mês de novembro. E as perseguições sofridas pelo codificador nos anos posteriores, tanto pelos clérigos quanto pela imprensa bem como pelos ‘cientistas’ da época, como nos contam as páginas da Revista? Cabe citar ainda o terceiro diálogo do livro O que é o Espiritismo onde Kardec debate com um Padre. Vale à pena reler aquele diálogo para comparar com o que o Inácio afirma ao se referir à prudência do codificador, ou se ele não está usando de retórica para beneficiar o Emmanuel e elevá-lo ao patamar de autoridade espiritual inquestionável.
O que se pode observar é que o ‘Dr. Inácio’ precisa estudar um pouco mais o Espiritismo e sua história e deixar desse desejo louco de “pô-los (os críticos de Emmanuel) em seu devido lugar, a fim de que se recolham à mediocridade que lhes é própria”. Até porque, nitidamente, este desejo reflete a inferioridade moral em que ainda se encontra, não merecendo a sua opinião o peso que tenta dar-lhe. Pois uma coisa é o desejo de defender a verdade, outra coisa é uma louca vaidade de querer mostrar que os outros estão errados e ele está certo...
            Em outro ponto do seu texto não se sabe o que é pior: ele afirmar que Emmanuel reescreveu o Evangelho versículo a versículo, como o quinto evangelista que é ou afirmar que a obra mediúnica Paulo e Estêvão é a “mais fiel e completa história do Cristianismo nascente”... O que sobrou de prudência e sabedoria em Kardec faltou neste Espírito que se intitula ‘jornalista do além’! Onde estão os estudos históricos e os exames comparados que fundamentem esta opinião? Aonde o consenso universal para demonstrar esta autoridade do Emmanuel como ‘quinto evangelista’? Pois o único a afirmar isto é ele, Inácio Ferreira! O pior, é claro, é ver espíritas repetindo este discurso como se ele representasse a absoluta verdade. E convenhamos que um estudo de tal envergadura não seria ignorado com facilidade, principalmente se bem feito!
            Contudo, ele não perdeu a chance de tentar transformar opiniões pessoais em lei! E usa de um expediente melodramático ao se desvalorizar [vide o penúltimo parágrafo do seu texto] com o intuito de comover o leitor e fazê-lo aceitar muito mais facilmente as suas idéias. Em outra parte do seu texto ele defende a tese de que Chico Xavier seria a reencarnação de Kardec. Particularmente, analisando o perfil psicológico dos dois, tamanha é a discrepância entre ambos que não consigo imaginar qual a razão de existir quem defenda esta opinião. Basta analisar a vida dos dois, seus comportamentos, suas posturas diante dos ataques dos seus adversários, dos problemas existenciais. Uma análise como esta não tem o objetivo de desvalorizar um e elevar o outro, mas, destacar que são duas personalidades distintas. E como sabemos que a discussão além de longa é polêmica, pois as razões nunca são suficientes para encerrar o assunto, neste momento basta dizer apenas que não vejo lógica nesta opinião. Aqui, até que se prove o contrário, o único e mais forte argumento é a especulação vazia. Ah! E ainda vale destacar que ele acusa os críticos de Emmanuel de agirem ‘sorrateiramente’ para contestar a tese acima. É oportuno ressaltar que quem contesta esta tese não age às escondidas, mas, ‘mostra a cara’ e apresenta os seus argumentos, muito diferente deste Espírito que fica a todo o momento jogando o seu veneno disfarçado de “defesa da verdade”. Isto fica evidente quando ele declara: “No momento, é tudo o que posso fazer por vocês, sem me importar se venham, ou não, integrar a lista daqueles que, igualmente, têm me difamado”. Convenhamos que não necessariamente quem faça uma crítica dos textos deste suposto Inácio Ferreira deverá ‘difamá-lo’. Mais uma vez, ele aqui abandona a argumentação racional e parte para a apelação emocional.
            É por estas e outras que Kardec adverte que não devemos publicar tudo o que vêm dos Espíritos, ou, quando o fizermos, que seja com comentários e notas explicativas fundamentadas nos princípios espíritas. Pois nem sempre podemos ser juízes em causa própria – principalmente quando se trata de analisar algo que nós psicografamos. Existem muitos médiuns que se melindram com qualquer observação crítica feita sobre um material que, absolutamente, não é de sua autoria. É por isso que o médium deve cultivar a humildade, pois não ignorará nunca uma observação feita com base na lógica, no bom senso e fundada numa análise crítica. O médium orgulhoso, ao contrário, repelirá sistematicamente qualquer objeção crítica e se afastará de todos aqueles que não tiverem somente palavras elogiosas, mesmo que irrefletidas e extremamente superficiais, feitas mais para agradar do que para opinar. Não à toa, o codificador nos alerta, quanto ao que vem do mundo espiritual que

 “Os Espíritos que formam a população invisível da Terra são de fato o reflexo do mundo corporal; encontramos neles os mesmos defeitos e as mesmas virtudes; há entre eles sábios, ignorantes e falsos sábios, prudentes e estouvados, filósofos, polemistas e sistemáticos; todos com seus antigos preconceitos e opiniões políticas e religiosas. Cada um diz o que pensa e o que falam quase sempre é opinião pessoal; eis por que não é para acreditar cegamente em tudo o que dizem os Espíritos” [6].

            Este trecho é importantíssimo, pois reforça a necessidade de prudência para com tudo o que venha do mundo dos Espíritos. Principalmente reforça a necessidade de encararmos os ditados mediúnicos como opiniões pessoais dos Espíritos que podem ser justos ou injustos, abrangentes ou limitados, verdadeiros ou falsos. Entretanto,

“Não devemos julgar os Espíritos pelo aspecto formal e a correção do seu estilo, mas sondar-lhes o íntimo, analisar suas palavras, pesá-las friamente, maduramente e sem prevenção. Toda falta de lógica, de razão e de prudência não pode deixar dúvida quanto à sua origem, qualquer que seja o nome de que o Espírito se enfeite” [3].

Assim, nossa conclusão ao ler os escritos do Espírito Inácio Ferreira é que deve ser lido com muita prudência, pois da mesma forma que ele expressa algumas idéias aproveitáveis [embora neste texto tenham sido muito poucas], ele também expõem idéias contrárias aos mais elementares princípios espíritas e até ao mais rudimentar bom senso. Confunde, ou ignora momentos e informações importantes sobre a História do Espiritismo e faz afirmações que, se não analisadas com cuidado, correm o sério risco de serem divulgadas como se fossem verdadeiras. Então, que cada um leia e tire suas próprias conclusões como nós tiramos as nossas!

Referências:
[3] KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. LAKE. Cap. XXIV, item 266 e 267, 4ª questão.
[4] ________. O Evangelho segundo o Espiritismo. LAKE. Introdução, cap. II.
[5] ________. Idem. Cap. VI, item 04.
[6] PIRES, J. Herculano. Introdução ao Espiritismo. 1ª Ed. SP – Ed. Paidéia, 2009, p. 145.

sábado, 17 de setembro de 2011

O Aspecto Triplo do Espiritismo e o Desenvolvimento Moral do Espírito

“O Espiritismo é, ao mesmo tempo, uma ciência de observação e uma doutrina filosófica. Como ciência prática, ele consiste nas relações que podemos estabelecer com os Espíritos; como filosofia, abrange todas as conseqüências morais que decorrem dessas relações”. [1]

            Estudar com atenção o Espiritismo, compreender em profundidade a sua constituição é obrigação de todo aquele que se diz espírita. Como podemos observar no texto em epígrafe, o codificador apresentou o Espiritismo, de forma resumida, como contendo em si três aspectos fundamentais: i) o científico, fundado no conceito de ciência de observação e experimentação; ii) o filosófico, baseado nas reflexões geradas pela observação, e nas relações entre o objeto observado e o observador; e iii) as consequências morais, fundadas nesta reflexão filosófica, conduzindo a uma necessária postura ética ante a vida como efeito imediato da conscientização produzida pela assimilação destes conhecimentos.
            Esta estrutura, ligeiramente modificada, é muito comum em nosso movimento espírita. Aprendemos, assim que entramos em uma sala de aula, seja do ESDE ou uma turma introdutória, conforme a região e a metodologia adotadas, que o Espiritismo pode ser representado como um triângulo onde a base é a ciência e a filosofia e a religião (para nós Moral) é o cume, o momento de transcendência do indivíduo. Embora eu particularmente não concorde com esta definição de Espiritismo como ‘religião’, este não é o nosso objetivo neste artigo. O importante é compreender qual a relação desta estrutura com o título do texto, ou seja, com o processo de desenvolvimento moral do ser.
            Como dizíamos, esta representação do Espiritismo como um triângulo de forças é interessante porque nos leva a concluir que não temos como alcançar a transcendência sem a necessária análise reflexiva de nossas vidas e posterior aplicação prática dos conceitos e princípios morais espíritas que adotamos como regra de conduta. Esta representação pode ser aplicada com muito sucesso no processo de renovação moral do Espírito, encarnado ou desencarnado. Senão, vejamos suas relações:
1º) As características principais do aspecto científico são justamente a observação e a experimentação. Kardec ressalta o valor da observação quando diz que

“[...] Estudamos para conhecer o estado das individualidades do mundo invisível, as relações que existem entre elas e nós [...]. Nessa perspectiva não há nenhum Espírito cujo estudo seja inútil; aprendemos alguma coisa com todos; suas imperfeições, seus defeitos, sua incapacidade, sua própria ignorância são motivos de observação que nos iniciam na natureza íntima desse mundo” [2].

            Utilizando o raciocínio da citação acima, o aspecto científico do Espiritismo deve ser utilizado como ferramenta para que possamos observar a estrutura interna de nosso eu. O objetivo é realizarmos um verdadeiro levantamento sobre nossa própria vida, uma catalogação de tudo o que for importante. E podemos começar esta observação seguindo o exemplo de Santo Agostinho, quando nos estimula a fazer o que ele fazia quando viveu por aqui:

“[...] No fim de cada dia interrogava a minha consciência, passava em revista o que havia feito e me perguntava a mim mesmo se não tinha faltado ao cumprimento de algum dever, se ninguém teria tido motivo para se queixar de mim. Foi assim que cheguei a me conhecer e a ver o que em mim, necessitava de reforma” [4].

            É desta maneira que o aspecto científico do Espiritismo serve para realizamos a primeira etapa do processo de desenvolvimento moral do ser, pois, somente após um levantamento cuidadoso e criterioso do que somos é que podemos utilizar o segundo aspecto da Doutrina Espírita;
            2º) A segunda etapa neste processo é a reflexão filosófica em torno das observações feitas.  A Filosofia Espírita realiza, nos dizeres de J. Herculano Pires, a interpretação da pesquisa efetuada através da observação e catalogação dos mínimos detalhes referentes aos fenômenos. As ferramentas imprescindíveis nesta etapa são a razão, o senso crítico e uma lógica rigorosa. É isto o que leva Kardec a dizer que a força do Espiritismo “está na sua filosofia, no apelo que faz à razão e ao bom senso” [5].
            É este aspecto que será utilizado para interpretar os dados que coletarmos sobre o nosso mundo interior, sobre nós mesmos. Devemos analisar o estado de nossa individualidade, que defeitos possuímos; quais virtudes, que mundo íntimo criamos para nós mesmos; quais os nossos gostos, porque agimos de tal forma e não daquela outra; enfim, porque somos o que somos. Segundo Santo Agostinho

O conhecimento de si mesmo é, portanto a chave do melhoramento individual. Mas, direis, como julgar a si mesmo? Não se terá a ilusão do amor-próprio, que atenua as faltas e as torna desculpáveis? O avaro se julga simplesmente econômico e previdente, o orgulhoso se considera tão-somente cheio de dignidade. Tudo isso é muito certo, mas tendes um meio de controle que não vos pode enganar. Quando estais indecisos quanto ao valor de uma de vossas ações, perguntais como a qualificaríeis se tivesse sido praticada por outra pessoa. Se a censurardes em outro, ela não poderia ser mais legítima para vós, porque Deus não usa de duas medidas para a justiça. Procurai saber também o que pensam os outros e não negligencieis a opinião dos vossos inimigos, porque eles não têm nenhum interesse em disfarçar a verdade e realmente Deus os colocou ao vosso lado com um espelho, para vos advertirem com mais franqueza do que um amigo” [4].

            Como podemos ver, a análise crítica que tanto estimulamos que seja feita sobre os ditados dos Espíritos é a mesma que deve ser feita sobre nós mesmos. A mesma lógica rigorosa, o mesmo senso crítico e o mesmo bom senso devem ser usados para avaliar o que somos, o que queremos e o porque de não sermos ainda aquilo que almejamos ser.
            3º) A última etapa, a das consequências morais, está representada, como dissemos, na parte de cima do triângulo. Aqui está estabelecida a Moral Espírita, que tem como fundamento o livro terceiro de O Livro dos Espíritos intitulado Leis Morais. É também conhecida como a famosa “Religião Espírita”. Este aspecto demonstra a finalidade última do Espiritismo que é o aperfeiçoamento moral e intelectual dos homens. Este é o momento em que o Espírito transcendendo a si próprio, alcança a plenitude.
            Este momento, como dito no início do artigo, representa o momento de transcendência do indivíduo, pois após observar e catalogar os dados ele processou a informação de forma racional, analisou cada elemento, cada detalhe, cada vício, cada qualidade e compreendeu, ao aplicar seu senso crítico, o que é e o que deseja ser. Muito mais importante ainda é compreender que agora ele sabe, e não mais supõe que sabe quem é.
            De forma bastante resumida, quisemos utilizar o aspecto triplo do Espiritismo para demonstrarmos que ele é útil para o aplicarmos ao processo de desenvolvimento moral do Espírito, em especial, do encarnado. Até porque só assim, através deste exercício, estaremos aplicando a fé raciocinada preconizada pelo Espiritismo. E só assim, também, poderemos nos tornar verdadeiros homens de bem. Até porque, segundo Kardec, “a crença no Espiritismo só é proveitosa para aquele de quem podemos dizer: ele está melhor hoje do que ontem” [3]. Bom, sabemos que poderíamos dizer muito mais, entretanto, creio que estão expostas de forma clara as relações e reflexões que achamos mais necessárias. Cada um pode complementar estas observações por si e tentar aperfeiçoar o seu desenvolvimento moral utilizando as reflexões expostas como pano de fundo.
            Finalizamos este artigo endossando a opinião de Santo Agostinho quando afirma que “[...] Aquele que tem a verdadeira vontade de se melhorar explore, portanto, a sua consciência, a fim de arrancar dali as más tendências como arranca as ervas daninhas do seu jardim: que faça o balanço da sua jornada moral como o negociante o faz dos seus lucros e perdas, e eu vos asseguro que o primeiro será mais proveitoso que o outro. Se ele puder dizer que a sua jornada foi boa, pode dormir em paz e esperar sem temor o despertar na outra vida” [4].

Referências:
[1] PIRES, José Herculano. Introdução ao Espiritismo. 1ª Ed, SP – Ed. Paidéia, 2009. P. 69
[2] ______. Idem, p.148
[3] ______. Idem, item 38, p. 56
[4] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 65ª Ed, SP – LAKE, 2006. Q. 919-a.
[5] ______. Idem. Conclusão, item VI, p. 345.

sábado, 20 de agosto de 2011

Kardec e os conselhos de Erasto



Considerado por Allan Kardec como um Espírito que produziu comunicações que traziam o cunho incontestável da profundeza e da lógica, Erasto é um daqueles Espíritos a quem podemos chamar de sábio e profundo conhecedor da fenomenologia mediúnica. Não por acaso são encontradas muitas comunicações de sua autoria em um capítulo de O Evangelho segundo o Espiritismo e por todo O Livro dos Médiuns.

O capítulo XX, Influência Moral do Médium, é um destes. Tendo por objetivo aprofundar o conhecimento sobre a influência moral do médium na produção dos fenômenos espíritas, este capítulo é rico em informações para os espiritistas. Nele, Kardec desejava precaver os adeptos do Espiritismo contra o perigo de subestimar ou superestimar a influência dos médiuns na transmissão dos despachos de além túmulo.

Ele deve ser estudado atendendo ao sábio conselho dado pelo codificador, quando alerta que “o estudo prévio da teoria é indispensável, se o médium pretende evitar os inconvenientes inseparáveis da falta de experiência” [1]. Aprendemos neste capítulo que não existem médiuns perfeitos na Terra, mas bons médiuns, o que segundo os Espíritos já é muito, pois eles são raros! Até porque,

“O médium perfeito seria aquele que os maus Espíritos jamais ousassem fazer uma tentativa de enganar. O melhor é o que, simpatizando somente com os bons Espíritos, tem sido enganado menos vezes”.

É importante observar este trecho com atenção. Primeiro, porque não existe médium infalível. O que nos leva à certeza de que não há comunicação isenta de falhas, muito menos inquestionável. Segundo, porque se o melhor médium é o que tem sido enganado menos vezes, como supor que exista algum ‘intocado’ pelos Espíritos inferiores? Por exemplo: justamente pelo valor da sua história e da sua importância para o movimento espírita brasileiro e mundial, supor ser o Chico Xavier perfeito e isento de falhas seria demonstrar ignorar os mais básicos princípios do Espiritismo. Condenar uma análise crítica feita sobre alguma das suas obras psicografadas seria ignorar as insistentes recomendações feitas por Kardec e principalmente por São Luís quando afirma que

“Por mais legítima confiança que vos inspirem os Espíritos [...], há uma recomendação que nunca seria demais repetir e que deveis ter sempre em mente ao vos entregardes aos estudos: a de pesar e analisar, submetendo ao mais rigoroso controle da razão TODAS as comunicações que receberdes; a de não negligenciar, desde que algo vos pareça suspeito, duvidoso ou obscuro, de pedir as explicações necessárias para formar a vossa opinião”(Grifos nossos). [2]

A questão 10, do capítulo supracitado é valiosíssima por afirmar que

“Os Espíritos bons permitem que os melhores médiuns sejam às vezes enganados, para que exercitem o seu julgamento e aprendam a discernir o verdadeiro do falso. Além disso, por melhor que seja um médium, jamais é tão perfeito que não tenha um lado fraco, pelo qual possa ser atacado. Isso deve servir-lhe de lição. As comunicações falsas que recebe de quando em quando são advertências para evitar que se julgue infalível e se torne orgulhoso. Porque o médium que recebe as mais notáveis comunicações não pode se vangloriar mais do que o tocador de realejo, que basta virar a manivela de seu instrumento para obter belas árias”.

É incrível observar que se a maioria dos médiuns se propusesse a estudar esta magnífica obra de forma séria e metódica, a prudência teria evitado que diversas obras de conteúdo duvidoso tivessem sido publicadas, o que tornaria o movimento espírita brasileiro muito mais sério, respeitado e livre dos pseudossábios e mistificadores que entravam a sua obra de emancipação de consciências.

Entretanto, por mais sublimes e indispensáveis sejam estas informações, não são as únicas pérolas encontradas neste capítulo. Existe ainda uma advertência de Erasto com relação às comunicações repletas de ideias heterodoxas, “espiriticamente falando” que possam vir dos Espíritos e que poderiam ser insinuadas em meio às coisas boas junto a fatos imaginados, asserções mentirosas, com tamanha habilidade que poderiam enganar as pessoas de boa fé. Ele ainda estimula a eliminação sem piedade de toda palavra e toda frase equívoca, conservando-se na comunicação somente o que a lógica aprova ou o que a doutrina já ensinou; afirma que “onde a influência moral do médium se faz realmente sentir é quando este substitui pelas suas ideias pessoais aquelas que os Espíritos se esforçam por lhe sugerir. É quando ele tira da sua própria imaginação, as teorias fantásticas que ele mesmo julga, de boa fé [mas nem sempre], resultar de uma comunicação intuitiva (Grifos nossos). Erasto também alerta ser necessário aos dirigentes espíritas possuírem um tato apurado e uma rara sagacidade para poder discernir as comunicações verdadeiras e não ferir o amor próprio daqueles que se permitem iludir com jóias falsas.

É neste momento que ele nos oferece um de seus mais famosos e importantes conselhos:

“Na dúvida, abstém-te, diz um dos vossos provérbios. Não admitais, pois, o que não for para vós de evidência inegável. Ao aparecer uma nova opinião, por menos que vos pareça duvidosa, passai-a pelo crivo da razão e da lógica. O que a razão e o bom senso reprovam rejeitai corajosamente. MAIS VALE REJEITAR DEZ VERDADES DO QUE ADMITIR UMA ÚNICA MENTIRA, UMA ÚNICA TEORIA FALSA. Com efeito, sobre essa teoria poderíeis edificar todo um sistema que desmoronaria ao primeiro sopro da verdade, como um monumento construído sobre a areia movediça. Entretanto, se rejeitais hoje certas verdades, porque não estão para vós clara e logicamente demonstradas, logo um fato chocante ou uma demonstração irrefutável virá vos afirmar a sua autenticidade”.

Embora ela tenha se tornado uma regra de ouro [a frase destacada em maiúsculo], conforme J. Herculano Pires afirmou, devendo ser constantemente observada nos trabalhos e estudos espíritas, isolada do seu contexto ela perde a sua riqueza, o seu caráter especial, ficando deslocada e nem sempre parecendo justa. Analisemos a sua estrutura.

Primeiro reencontramos um sábio provérbio: “na dúvida, abstém-te”. Pois quem nunca duvidou não pode afirmar que encontrou a verdade, que adquiriu a convicção. O codificador é um belo exemplo de como a dúvida, sem exageros, conduz à verdade. É valiosíssimo o depoimento de Kardec encontrado em Obras Póstumas, onde ele afirma que um dos primeiros resultados das suas observações foi saber que os Espíritos nada mais são que as almas dos homens, possuindo conhecimentos limitados à sua condição evolutiva e que por isto as suas opiniões tinham o valor de uma opinião pessoal, nada mais. Foi esta verdade, compreendida desde o início que o protegeu de acreditar ingenuamente na infalibilidade dos Espíritos e de elaborar teorias prematuras com base nos ditados de uns ou de alguns [5]. Quantas teorias não são construídas dentro desta perspectiva? Os vários corpos do perispírito, em gritante oposição ao conceito formulado pelo codificador, a magia, as informações e afirmações sobre Física Quântica relacionados com o Espiritismo são alguns exemplos de ‘teorias’ edificadas em informações pessoais dos Espíritos como se fossem absolutamente verdadeiras. Elas não foram observadas, analisadas, criticadas, reavaliadas para serem aceitas como verdades verificadas. Aqui é onde entra a importância da abstenção. Pois se não possuo a firme convicção oriunda da análise sistemática, racional e eminentemente lógica e da experiência, como posso supor que uma determinada informação é verdadeira? Não podemos agir por achismos dentro do movimento espírita.

Em segundo lugar encontramos a importância de passar toda opinião, por menos duvidosa que pareça, pelo crivo da razão e da lógica. Como afirma Erasto, “é incontestável que, submetendo-se ao cadinho da razão e da lógica todas as observações sobre os Espíritos e todas as suas comunicações, será fácil rejeitar o absurdo e o erro” [6]. As palavras destacadas dão um valor importantíssimo à citação. Primeiro porque ressalta a importância de que haja um exame severo sobre os Espíritos comunicantes e suas comunicações. Segundo por que para Erasto, quem assim procede, não encontra dificuldades em perceber a ponta da orelha do mentiroso, do pseudossábio, do fanfarrão. Até porque estes Espíritos mistificadores podem, fingindo amor e caridade, semear a desunião e retardar o progresso da humanidade e da Ciência Espírita ao propagarem seus sistemas absurdos, muitas vezes com a ajuda não só de médiuns imprevidentes, mas de casas espíritas que se julgam privilegiadas, ou onde reinam a superstição e a falta de um estudo sistemático da Codificação. Não é à toa que Herculano Pires escreve que a

“confiança de Kardec na análise racional das comunicações é acertada, mas depende do critério seguro de quem analisa. Por isso mesmo é conveniente fazer a análise em conjunto e recorrer, no caso de dúvida, a outras pessoas de reconhecido bom senso. O Espírito farsante pode influir sobre um indivíduo e sobre um grupo, o que tem ocorrido com freqüência em virtude da vaidade, da pretensão ou do misticismo dominante. Comunicações avulsas e até obras mediúnicas alentadas, evidentemente falsas, têm sido publicadas, aceitas e até mesmo defendidas por grupos e instituições diversas”. [3]

Terceiro, após as considerações acima expostas, compreendemos que o conselho do Erasto visa antes à prudência que o exagero. E isto fica muito claro quando ele desenvolve seu raciocínio, no fim deste parágrafo, ao afirmar que se hoje rejeitamos certas verdades, pelo fato de não estarem devidamente demonstradas amanhã um fato “chocante” poderá afirmar a sua autenticidade. E este é o ponto chave da sua afirmação, pois se não temos certeza de uma opinião, como podemos provar a sua autenticidade? Por mais respeitável que seja o nome que subscreva a comunicação, por mais atraente que seja uma teoria, só o tempo e uma metodologia de pesquisa adequada poderão provar que ela está correta. É por isto que não devemos ter medo de rejeitar uma ideia, sem, no entanto, ignorar que ela pode, se for testada e averiguada, provar estar certa. Esta observação é confirmada por Kardec da seguinte forma:

“Se é certo que a utopia de hoje se torna muitas vezes a verdade de amanhã, deixemos que o futuro realize a utopia de hoje, mas não enredemos a Doutrina com princípios, que possam ser considerados quimeras e a tornem rejeitada pelos homens positivos” [4].

Como pudemos ver nesta sucinta análise, não é absurdo rejeitar dez verdades para não ter que aceitar uma mentira porque não estão clara e logicamente demonstradas. E é justamente por conselhos como estes, compreendidos em seu contexto, que Kardec considerou Erasto um Espírito Superior, pois só um poderia ensinar tanto com tão pouco. O estudo das suas mensagens deve ser obrigatório nas casas espíritas. E diferente de outros “espíritos famosos” da atualidade, muito verbosos e prolixos, com suas dezenas de perispíritos e magos, este sim é um ilustre desconhecido que precisa ser redescoberto!

[1] KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. 23ª Ed. SP – LAKE, 2004. Cap. XVII, p. 177
[2] ______. Idem. Cap. XXIV, item 266, p. 236
[3] ______. Idem, ibidem
[4] ______. Obras Póstumas. 14ª Ed. SP, LAKE – 2007. Segunda parte, Dos Cismas, p. 282
[5] ______. Idem, p. 218
[6] ______. O Evangelho segundo o Espiritismo. 61ª Ed. SP – LAKE, 2006. Cap. XXI, item 10, p. 265

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Alguns Comentários Sobre Física Quântica e Espiritismo


Nota: o presente artigo tem o intuito de oferecer alguns esclarecimentos com relação às informações sobre física quântica que o autor leu na resenha sobre o VI SIMESPE e de suas vivências como físico, escritor e palestrante espírita Brasil afora. É um complemento à resenha já citada e deve ser lido com atenção e sem pressa. 


Alguns Comentários Sobre Física Quântica e Espiritismo



Alexandre Fontes da Fonseca

            Na Revista Espírita de Julho de 1860 [1], no último parágrafo do ítem “Observação Geral”, Kardec diz: 

Assim, é sobretudo nas teorias científicas que precisa haver muita prudência e evitar dar precipitadamente como verdades sistemas por vêzes mais sedutores que reais e que, mais cedo ou mais tarde, podem receber um desmentido oficial. (Grifos nossos).

Em seguida acrescenta:

Diz um provérbio: ‘Nada mais perigoso que um amigo imprudente.’ Ora, é o caso dos que, no Espiritismo, se deixam levar por um zêlo mais ardente que refletido. (Grifos nossos).

            A afirmação acima é de grande importância para o movimento espírita em vista do interesse atual no desenvolvimento da Ciência e em particular, na Física Quântica. Uma rápida busca na internet apresenta diversas doutrinas e práticas espiritualistas que dizem possuir demonstrações de seus conceitos em termos da Física Quântica. No meio espírita, há obras de autoria de encarnados e desencarnados que se utilizam de conceitos da Física Quântica na tentativa de explicar ou esclarecer determinados temas de estudo. Mas, estaria a Física Quântica realmente dando *contribuições* ao Espiritismo? Será que pode estar havendo o que Kardec mencionou como tendo zêlo mais ardente do que refletido em algumas afirmações relacionando Física Quântica e Espiritismo? 

            Um zêlo ardente pode ser entendido como uma defesa a um assunto de modo apaixonado e emocional, por acreditar que isso pode ajudar ou validar aquilo que se está defendendo. Um exemplo pode ser ilustrado da seguinte maneira. Suponha que notícias nos chegam de que uma coisa, que é reconhecidamente importante dentro de uma área do conhecimento humano (como a Ciência, por exemplo), está ajudando a divulgar uma determinada doutrina ou teoria filosófica. Suponha que não sabemos bem o que é essa coisa, mas que temos observado pessoas que detém títulos universitários defenderem a ligação entre a coisa e alguma doutrina espiritualista, como algo verdadeiro e seguro. Desejosos de ver o Espiritismo mais *divulgado* e *valorizado* começamos a acreditar e a repetir em discursos no movimento espírita, que essa coisa também demonstra a validade dos conceitos do Espiritismo. Isso é um exemplo de zêlo ardente. Por quê? Porque nós não buscamos conhecer em profundidade o que é essa coisa e decidimos confiar na opinião alheia dos que a defendem, acreditando que isso vai ajudar o Espiritismo. Portanto, num zêlo ardente, agimos apenas pela *emoção* relacionada ao desejo de ver a nossa doutrina validada por um assunto considerado importante pela sociedade humana. 

            Um zêlo refletido é uma defesa à nossa doutrina com reflexão. Refletir envolve a leitura dos conceitos, meditação, comparação de valores e significados, testes, experimentos e uma conclusão obtida com toda a lógica que o bom senso científico e filosófico permitem. O comentário acima citado de Kardec de que “... é sobretudo nas teorias científicas que precisa haver muita prudência e evitar dar precipitadamente como verdades sistemas por vêzes mais sedutores que reais e que, mais cedo ou mais tarde, podem receber um desmentido oficial” (grifos nossos) é um exemplo de zêlo refletido porque ele sabia que as Ciências se desenvolvem através de muito rigor e a análise crítica de tudo o que os cientistas criam e descobrem. 

            Um outro exemplo de zêlo refletido encontramos nas palavras de André Luiz em seu prefácio da obra Mecanismos da Mediunidade [2]: “Aliás, quanto aos apontamentos científicos humanos, é preciso reconhecer-lhes o caráter passageiro, no que se refere à definição e nomenclatura, atentos à circunstância de que a experimentação constante induz os cientistas de um século a considerar, muitas vezes, como superado o trabalho dos cientistas que os precederam.” (Grifos nossos). Adiante ele acrescenta que:  “Assim, as notas dessa natureza, neste volume, tomadas naturalmente ao acervo de informações e deduções dos estudiosos da atualidade terrestre, valem aqui por vestimenta necessária, mas transitória, da explicação espírita da mediunidade, que é, no presente livro, o corpo de idéias a ser apresentado.” (Grifos nossos). Ambos os comentários acima demonstram a reflexão feita por André Luiz de que a Ciência está sempre evoluindo em seus conceitos e que por isso não se deve tomar como absolutas as explicações para os mecanismos da mediunidade contidas na obra. Em outras palavras, André Luiz não considera que os conceitos da Ciência (nesta obra em particular, os conceitos da Física) estão demonstrando cientificamente a mediunidade, mas sim utilizando seus conceitos para tentar traduzir em uma linguagem já acessível a nós encarnados, os mecanismos do fenômeno da mediunidade. Além disso, não se pode dizer que a Ciência estaria comprovando o que André Luiz diz nessa obra pois ele foi claro ao dizer que “...as notas dessa natureza, neste volume, tomadas naturalmente ao acervo de informações e deduções dos estudiosos da atualidade terrestre...” e por isso os conceitos que ele utilizou já foram comprovados pela Ciência. 

            Assim, podemos agora analisar e refletir algumas afirmações feitas no movimento espírita de que a Física Quântica estaria confirmando alguns conceitos espíritas. Vamos aproveitar o comentário recente de A. Santiago em seu blog “Análises Espíritas” [3], em que apresenta uma extensa e detalhada resenha do VI Simpósio de Estudos e Práticas Espíritas de Pernambuco, ou SIMESPE, com o tema: “A Ciência a caminho da espiritualização – A importância do Espiritismo no processo evolutivo do ser”. O VI SIMESPE aconteceu nos dias 15, 16 e 17 de Julho no Centro de Convenções de Pernambuco, em Olinda. Em particular, nos interessa a descrição de A. Santiago de uma palestra do VI SIMESPE intitulada “Contribuição da Física Quântica no processo de interação mente/corpo – Comprovações científicas das informações de André Luiz”, realizada pelo Dr. Décio Iandoli. 

            Primeiramente, devemos fazer a importante ressalva de que os comentários a seguir se baseiam apenas no que foi postado no blog e que de modo algum significam crítica ao palestrante a quem devemos todo o respeito e admiração pelos esforços que tem feito na divulgação da Doutrina Espírita. 

Primeiramente, temos o dever de informar que a Física Quântica não está, formalmente ou profissinalmente falando, contribuindo para a confirmação dos conceitos espíritas ou espiritualistas. Para a Ciência, incluindo a Física, a mente ou a consciência nada mais são do que fenômenos que emergem da complexidade da rede de neurônios que compõem o cérebro. Existem pesquisadores que dentro do escopo da teoria quântica, buscam identificar o que seria a mente ou a consciência. Porém, isso não é uma busca pelo Espírito, mas sim pela descoberta de efeitos quânticos do cérebro que pudessem representar a consciência. Como a teoria quântica é uma teoria material, ela só se aplica a objetos ou coisas materiais. Por isso, uma consequência desses estudos é que morto o cérebro, morta a consciência ou mente quântica. Por serem formados de átomos, o cérebro pode até mesmo possuir ou manifestar efeitos quânticos. Mas, além de termos que aguardar até que essas pesquisas forneçam alguma informação confiável, isso ainda não constituirá uma demonstração do Espírito como agente da vida. 

Sobre possíveis "Comprovações científicas das informações de André Luiz", eu gostaria de fazer um comentário de que tudo o que André Luiz fala com base na Física, daquilo que não estiver equivocado (ver artigo da Ref. [4]), já havia sido comprovado. 

Sobre a palestra em questão, A. Santiado fez os seguintes comentários: “Tudo bem que ele falou mais das nossas escolhas, da influência do observador sobre a realidade, daquilo que está mais próximo da nossa realidade sensível, material e não da espiritual, querendo forçar conceitos de hiperespaço ou universos paralelos como se fossem teorias explicativas da realidade espiritual." Nesse tipo de colocação, percebemos a boa intenção do palestrante em tentar relacionar as interpretações estranhas e misteriosas da teoria quântica em termos de conceitos espirituais. Porém, em vista da complexidade e da importância em desenvolvermos um zêlo refletido sobre o assunto, vamos esclarecer os erros nesse tipo de afirmações em vista da responsabilidade que temos perante os leitores, em particular os mais jovens. Vamos dividir os pontos importantes por questões: 

- A questão da influência do observador sobre a realidade não é bem o que vários espiritualistas tem afirmado. Não basta *querer* para que a realidade se altere. A *vontade* é importante mas, conforme orienta o Evangelho, a nossa influência sobre a realidade depende de realizarmos pelo nosso livre-arbítrio, todo os esforços ao nosso alcance para o bem geral. Não existe poder especial ou místico sobre a realidade. A teoria quântica afirma que os resultados possíveis de uma medida obedecem a leis probabilísticas. Se o cientista pudesse influenciar o resultado, ele determinaria o resultado de acordo com o seu desejo e não ficaria, portanto, sujeito à probabilidades. Mais adiante, ao comentar sobre a escolha do observador, o equívoco na interpretação do conceito de influência do observador na teoria quântica ficará mais claro. 

- A questão sobre conceitos de hiperespaço e universos paralelos é outra que gera confusão com conceitos espíritas ou espiritualistas relacionados ao mundo espiritual. Para a Física, o conceito de  universos paralelos não implica em nada de natureza espiritual. Se esses universos paralelos existirem, eles serão universos materiais, podendo ser quase iguais ou muito diferentes do nosso próprio universo. A teoria de universos paralelos [5] surgiu de uma idéia proposta nos anos 50 de que o Universo inteiro seria representado por uma função de onda e teria, assim, possibilidades diferentes. Cada uma dessas possibilidades seria um universo inteiro com coisas e seres semelhantes ou diferentes de nós, mas cada um com uma dada probabilidade. Ao fazer-se uma medida, aquilo que em Física Quântica é conhecido como o colapso da função de onda (a ser comentado adiante) ao invés de nos fazer pensar que o sistema evoluiu de modo irreversível para o estado final relacionado com o resultado da medida, o que ocorre é que apenas vemos o resultado relacionado com o nosso universo próprio, enquanto que os outros resultados ocorrem em universos paralelos, sem comunicação com os outros ou conosco. Isso resolve, de certa forma, os problemas filosóficos em torno da questão da medição em mecânica quântica e o colapso da função de onda. Por exemplo, diante de uma situação como decidir se ir para a direita ou para esquerda, essa teoria de universos paralelos prevê existem dois universos relacionados a essa escolha: um em foi escolhido ir para a direita e outro em que foi escolhido ir para a esquerda. Na verdade, não escolhemos nada, pois os dois universos existiriam de modo um independente do outro, e um sem saber o que acontece com o outro. Mas em cada universo, achamos que nós fizemos a escolha. Nessa teoria, os universos paralelos quase não interagem ou interferem uns nos outros. Como essa teoria poderia representar o mundo espiritual se os Espíritos afirmaram a Kardec que o mundo espiritual nos influencia a todo o momento, mais do que imaginamos (questão 459 de O Livro dos Espíritos [6])? Como explicar dois ou mais universos com cópias idênticas ou quase idênticas de nós mesmos nesses universos? Cada uma dessas cópias tem uma cópia do nosso Espírito, da nossa alma? Essa teoria, da forma como ela é, não serve para explicar o mundo espiritual que está ao nosso redor e interage incessantemente conosco. 

Adiante, A. Santiago, em sua resenha sobre o VI SIMESPE diz: "Para encerrar os comentários sobre esta conferência, de acordo com a exposição do Dr. Iandoli, vale ressaltar que conforme a teoria quântica a realidade como a entendemos surge como um resultado [colapso] da escolha que fazemos dentro de um leque de possibilidades." Com todo o respeito, esse também é um equívoco muito comum que decorre das interpretações da Física Quântica. Comentamos essa questão a seguir: 

- A questão sobre a realidade surgir como resultado de uma escolha que fazemos também é um erro de interpretação da teoria quântica. Nós não temos o poder de escolher qual será a realidade que se manifestará dentre as possibilidades que a teoria quântica prevê. Um exemplo ajudará a entebder o que pode acontecer de acordo com a Física Quântica. Considere o fenômeno do spin de um elétron. O spin é uma propriedade magnética intrínseca das partículas subatômicas. Uma medida do spin de um elétron pode apresentar apenas dois resultados representados pelos valores: +1/2 ou -1/2. A teoria quântica prevê que existe uma probabilidade de 50% de chance de se obter um valor +1/2 na medida do spin de um elétron, e 50% de chance de se obter -1/2. Ela não afirma que temos o poder de escolher para que valor de spin (+ ou - 1/2) um determinado elétron terá. A teoria apenas prevê que em uma certa quantidade de elétrons, digamos, por exemplo, em 100 (cem) elétrons, aproximadamente metade deles terão spin +1/2 e metade spin   -1/2. Ninguém tem o poder de escolha ou de determinação sobre que elétrons terão valores positivos ou não de spin. Um pouco dessa confusão surge porque de acordo com a Física Quântica, o estado do elétron, se tem spin +1/2 ou -1/2, é indeterminado antes de se fazer uma medida. Ao fazer a medida, um dos valores se revela e o elétron passa a ter esse valor permanentemente (enquanto outras interações não ocorrem com ele, é claro). A teoria quântica não responde à questão sobre *por quê* um determinado elétron manifestou determinado valor de spin

            A idéia da escolha do observador só se aplica para o tipo de característica se deseja medir, de acordo com a chamada dualidade onda-partícula. Por exemplo, para um elétron, podemos medir propriedades ondulatórias ou corpusculares. Essa escolha nós temos, isto é, nós escolhemos se desejamos montar um experimento para medir propriedades ondulatórias, ou um experimento para medir propriedades corpusculares. 

A idéia de que é a consciência que determina a realidade ganhou força no meio espiritualista com as teses do Prof. Amit Goswami que defende que é uma Consciência maior que determina a realidade. Porém, as idéias do Prof. Goswami são induístas e possuem vários conflitos com o que o Espiritismo ensina, conforme análise já publicada na literatura espírita [7].

            Conforme discutido em artigos recentes [8,9], o fato da Física Quântica não estar comprovando o Espiritismo não é motivo de preocupação. Isso pois ela não está, por outro lado, contradizendo nenhum conceito da Doutrina Espírita. Aos que acreditam que a Física Quântica está comprovando o Espiritismo, fica a nossa compreensão respeitosa de que estão tendo um zêlo mais ardente do que refletido, convidando-os a um estudo mais aprofundado da teoria quântica. Uma sugestão é a leitura da obra didática “Conceitos de Física Quântica” volumes I e II, do Prof. Osvaldo Pessoa Jr. [10,11].

            Nossos comentários não significam de modo absoluto que a Física nunca poderá contribuir com o Espiritismo. De fato, em estudos anteriores, mostramos que a Física ajuda a entender alguns conceitos espíritas [12,13]. Porém, esses estudos não significam que a Física esteja demonstrando cientificamente o Espiritismo. 

Um outro aspecto interessante e importante de ser comentado foi percebido por mim por ocasião de um seminário intitulado “O que é Física Quântica e Como Relacioná-la ao Espiritismo?” que apresentamos no Centro Espírita Allan Kardec, de Campinas, em Abril de 2011. O seminário é dividido em duas partes de 50 minutos, em que na primeira parte apresentamos vários conceitos básicos da Física Quântica em linguagem tão acessível quanto possível ao público leigo, e na outra parte, apresentamos uma análise das possíveis relações entre Física Quântica e Espiritismo, apresentando alguns dos equívocos comentados neste artigo. O que é importante comentar é que várias pessoas comentaram comigo que acharam a Física Quântica bastante difícil e que entenderam melhor a segunda parte, onde predominantemente, falamos do Espiritismo. Isso mostra que ao contrário do que se imagina, o estudo da Física Quântica é algo difícil e demanda tempo e dedicação especiais, e que não é com leituras de obras de divulgação, que aprenderemos de modo aprofundado essa teoria da Física. Por essa razão, fazemos nossas as seguintes palavras de recomendação com relação à afirmativas de teor científico que não podemos avaliar: “Melhor é repelir dez verdades do que admitir uma única falsidade, uma só teoria errônea.” (Erasto, no ítem 230 do Cap. XX, de O Livro dos Médiuns [14]). 

            Para concluir, chamamos Kardec (Obras Póstumas [15] e Revista Espírita de Dezembro de 1868 [16]): “Se é verdade que a utopia da véspera, frequentemente, seja a verdade do dia seguinte, deixemos ao dia seguinte o cuidado de realizar a utopia da véspera, mas não embaraçemos a Doutrina com princípios que seriam considerados quimeras e a fariam rejeitar pelos homens positivos.” (Grifos nossos).

Referências
[1] A. Kardec, “Observação Geral”, Revista Espírita, Jornal de Estudos Psicológicos Julho, p. 229 (1860) Ed. Edicel.
[2] Francisco Cândido Xavier e Waldo Vieira, Mecanismos da Mediunidade, pelo Espírito de André Luiz, FEB, 11ª edição, Rio de Janeiro, 1990.
[4] A. F. da Fonseca, “Um Ensaio sobre Matéria e Energia”, FidelidadESPÍRITA 91 (Abril), p. 6 (2010); e 92 (Maio), p. 20 (2010). Reproduzido em:
[5] H. Everet III, “Relative State Formulation of Quantum Mechanics”, Reviews of Modern Physics 29, p. 454 (1957).
[6] A. Kardec, O Livro dos Espíritos, FEB, 1ª edição Comemorativa do Sesquicentenário, Rio de Janeiro, 2006.
[7] A. F. da Fonseca, “A Obra “A Física da Alma” e o Espiritismo”, O Consolador 188, (2010),
[8] A. F. da Fonseca, “O “Medo” da Ciência e a Atualização do Espiritismo: Parte I”, Reformador 2188, Julho 2011, pag. 18, (2011).
[9] A. F. da Fonseca, “O “Medo” da Ciência e a Atualização do Espiritismo: Parte II”, Reformador 2189, Agosto 2011, pag. 18, (2011).
[10] O. Pessoa Jr., Conceitos de Física Quântica Volume I, 1ª Edição, Editora Livraria da Física, São Paulo (2003).
[11] O. Pessoa Jr., Conceitos de Física Quântica Volume II, 1ª Edição, Editora Livraria da Física, São Paulo (2006).
[12] A. F. da Fonseca, “Caos, complexidade e a influência dos espíritos sobre os fenômenos da natureza”, FidelidadESPÍRITA 12 (Setembro), p. 20 (2003).
[13] A. F. da Fonseca, “A Física Quântica e as questões 34 e 34-a de O Livro dos Espíritos”, Reformador, Dezembro, p. 14 (2008).
[14] A. Kardec, O Livro dos Médiuns, Editora FEB, 62ª Edição, Rio de Janeiro (1996).
[15] A. Kardec, Obras Póstumas, IDE, 1ª edição, Araras (1993).
[16] A. Kardec, “Constituição Transitória do Espiritismo, III Dos Cismas”, Revista Espírita, Jornal de Estudos Psicológicos Dezembro, p. 374 (1868) Ed. Edicel.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

VI SIMESPE – IMPRESSÕES GERAIS


Aconteceu nos dias 15, 16 e 17 de Julho no Centro de Convenções de Pernambuco, em Olinda, o VI Simpósio de Estudos e Práticas Espíritas de Pernambuco, ou SIMESPE. O tema desta edição foi “A Ciência a caminho da espiritualização - A importância do Espiritismo no processo evolutivo do ser”. Tema importantíssimo, atual e que reflete a preocupação dos organizadores do evento em abordar o aspecto científico da doutrina, não deixando que somente o moral (entendido por muitos como religioso) tenha prevalência. O objetivo desta resenha é dar uma opinião pessoal de quem participou de todo o evento e tentar permitir que o leitor deste blog possa ter uma ideia do que se passou. E espero que o leitor consiga “sentir” um pouco do que eu senti ao participar de tão fantástico evento.
            O VI SIMESPE é uma realização do Grupo Espírita Seara de Deus, que fica localizado no bairro do Janga, em Paulista, Pernambuco. Os palestrantes convidados, colocados aqui por ordem de apresentação no evento, foram: Carlos A. Baccelli (MG), Sérgio Lopes (RS), Décio Iandoli Júnior (MT), Irvênia Prada (SP), Sérgio Felipe de Oliveira (SP), Ângela Maria Menezes (PE) e Geraldo Lemos Neto (MG).
            No primeiro dia houve a apresentação musical da orquestra Criança Cidadã. Momento belíssimo, onde pudemos nos harmonizar com as músicas clássicas tocadas enquanto uma forte tempestade caía do lado de fora do Teatro Guararapes. Após este momento de arte, o conferencista responsável por abrir oficialmente o evento foi o Carlos Baccelli, conhecido médium espírita mineiro. Era a primeira vez que assistia a uma apresentação do Baccelli, e estava disposto a analisar com cuidado a sua fala, da mesma forma que fizemos com um texto de sua autoria [1].
            O assunto de sua responsabilidade era o mesmo do tema central. Ele é um bom palestrante, não possuindo fala monótona, mas agradável. Cabe observar, entretanto, que seu excessivo apego ao Chico e os Espíritos que se manifestaram por sua psicografia tornaram sua apresentação limitada, em minha opinião, em termos de conteúdo e de bibliografia a ser utilizada. Ele poderia relembrar trechos das obras de Léon Denis, Gabriel Delanne, Hermínio Miranda, ou, até mesmo, do Herculano Pires que ele citou em um rápido momento e de forma bastante sucinta. Para Baccelli, o Espiritismo não deve se afastar da Ciência para que não caia no domínio da exploração, do desvirtuamento, da crendice. Em sua apresentação, ele se utilizou deste trecho extraído da Gênese:

“O Espiritismo, marchando com o progresso, jamais será ultrapassado porque, se novas descobertas demonstrassem estar em erro sobre um certo ponto, ele se modificaria sobre esse ponto; se uma nova verdade se revelar, ele a aceitará” [2].

            Entretanto, embora ele enfatizasse a importância do conhecimento científico para que o Espiritismo não acabasse estagnado como uma religião como as muitas que existem em nosso mundo não apontou um meio para que a doutrina se mantivesse sempre atualizada. Seria o Espiritismo, a partir de hoje, apenas repositório dos conceitos da Ciência e dos ditados espontâneos dos Espíritos? Não haveria uma metodologia pela qual os Espíritas possam trabalhar para produzir conhecimentos? Ou estaríamos irremediavelmente dependentes da Metapsíquica, Parapsicologia, Psicotrônica, TCI ou qualquer outro ramo da ciência para fazermos o Espiritismo progredir? Façamos uma reflexão em conjunto: Kardec assevera que a revelação espírita possui um duplo caráter [3]: como revelação divina ela é de responsabilidade dos Espíritos, que a provocaram; como revelação científica ela é de responsabilidade dos homens, primeiro por não ser privilégio de nenhum indivíduo, segundo por ser sua obrigação a observação, a análise, a pesquisa, o estudo comparado das comunicações e a busca do consenso universal para encontrar a verdade. Como sintetiza Kardec, “numa palavra, o que caracteriza a revelação espírita é que sua origem é divina, que a iniciativa pertence aos Espíritos e que a sua elaboração é o resultado do trabalho do homem. Então cabe a pergunta: nos centros e federações espíritas espalhados pelo nosso Brasil e o mundo existe algum grupo de pesquisas espíritas genuíno? Que pratique as evocações e dialogue com os Espíritos no intuito de dirimir as dúvidas que surgem ao estudar as diversas obras psicografadas após Kardec? Existe entre estes grupos de pesquisa uma rede de intercâmbio que permita a troca de conhecimentos e experiências, facilitando, naturalmente, que ocorra o consenso universal tão apregoado pelo codificador principalmente no capítulo II da introdução de O Evangelho segundo o Espiritismo? Outra coisa notável é a dependência das comunicações espontâneas para a produção de conhecimento.  Devemos realizar um verdadeiro estudo comparado das obras psicografadas existentes e um exame atento, severo e escrupuloso para podermos aceitar suas informações como princípios verificados. Já abordamos este tema em alguns artigos [vide os textos: O Valor da Análise Crítica e Sobre o Estudo Comparado] e deixaremos somente a opinião do codificador [abaixo] para reflexão:

“Algumas pessoas pensam que é preferível não fazer perguntas, convindo esperar o ensinamento dos Espíritos, sem o provocar. Isso é um erro. Não há dúvida que os Espíritos dão instruções espontâneas de elevado alcance que não podemos desprezar, mas há explicações que teríamos de esperar por muito tempo se não solicitássemos. Sem as nossas perguntas, O Livro dos Espíritos e O Livro dos Médiuns ainda estariam por fazer ou pelo menos seriam muito mais incompletos: numerosos problemas de grande importância estariam ainda por resolver” [4].

Percebe-se por este trecho que a postura adotada em muitos centros espíritas neste nosso Brasil diverge daquilo que pensavam Kardec e os Espíritos Instrutores da Nova Revelação. Pelo simples fato de que não é um consenso isolado, nem a opinião de três ou quatro Espíritos que fará com que uma informação se torne princípio verificado, é necessário que se forme uma rede de pesquisas nos moldes do que fazia Kardec em sua época, mesmo não dispondo de serviços e tecnologia como sedex e internet. Muito menos computadores, gravadores de vídeo e voz, etc.
Como se pode observar, não basta apenas afirmar que o Espiritismo deve acompanhar a Ciência para não parar no tempo. Deve-se esclarecer como ele continuará progredindo. E infelizmente o Baccelli não contribuiu muito para esclarecer este ponto. Até porque, conforme reflexão proposta por Gabriel Delanne “o Espiritismo não é uma religião: não tem dogmas nem mistérios nem ritual. É uma ciência de experimentação, da qual emanam consequências morais e filosóficas” [5].
            Outros pontos cabem ser citados sobre a fala do Baccelli: 1) O momento em que afirma (mesmo sem provas nem estudos que possam fundamentar esta opinião) que Emannuel seria o ‘quinto’ evangelista, cabendo-lhe, junto ao Chico, ser o “médium do Cristo” (exagero que o próprio Chico reprovaria); 2) Elevar ao nível de verdade verificada a informação constante em Nosso Lar sobre o “tráfico de alimentos” na colônia espiritual que dá nome ao livro (mesmo com os Espíritos afirmando, desde o tempo de Kardec, que é a densidade do perispírito [...] nos Espíritos inferiores [...] que determina a persistência das ilusões da vida terrena; [...] (tanto) que pensam e agem como se ainda estivessem na vida física, tendo os mesmos desejos e quase poderíamos dizer a mesma sensualidade” [6, grifos nossos]); 3) Manifestar surpresa com os conhecimentos apresentados pelo instrutor Aulus (Vide Nos Domínios da Mediunidade) por supor que pouco tempo teria um Espírito para apresentar tais conhecimentos após pouco mais de 100 anos da existência do Espiritismo (comparando com a data de lançamento da referida obra), ignorando ele os conhecimentos apresentados por Erasto, Timóteo e Sócrates, conforme podemos notar com mais ênfase em O Livro dos Médiuns e O Evangelho segundo o Espiritismo, tanto que o codificador chega a considerar Erasto um Espírito Superior; 4) Ele comete o exagero de elevar as mensagens dadas por diversos Espíritos, e reunidos em livros de mensagens como dignos de conter informações doutrinárias de relevo. Embora seja sim, muito interessante, a proposta de estudar tais livros e tais mensagens, é claro que não podemos exagerar ao supor nelas revelações surpreendentes.
Enfim, ressalvados estes pontos, retornei ao meu lar satisfeito com o primeiro dia do SIMESPE, com a apresentação da orquestra e do Carlos Baccelli e aguardando com certa ansiedade o segundo dia.
            A primeira apresentação do sábado ficou a cargo do gaúcho Sérgio Lopes. Sua abordagem foi sobre o tema “Causas Espirituais dos Transtornos Mentais – Psiquismo Humano e Mediunidade”. Palestrante agradável de escutar soube conduzir bem o seu tema, embora tenha ficado um gosto de que poderia ter usado mais referências para abordar o tema. Que fique clara esta observação, que vale para todos os palestrantes: embora, no geral, as palestras tenham sido muito boas, a impressão dada é a de que os temas poderiam ser mais aprofundados, gerando muito mais reflexões a nós participantes.
            Um exemplo utilizado na apresentação vale a pena ser mencionado: ao abordar a questão das influências espirituais como causas de determinados transtornos, ou mesmo da influência do Espírito no processo de adoecimento do corpo físico, usou o Sérgio da figura do rádio para simular o corpo físico, o perispírito para exemplificar as ondas transmitidas para o rádio e a emissora geradora destas ondas para exemplificar o Espírito. Conforme sejam as ondas emitidas pela emissora, assim será a música produzida pelo rádio. Da mesma forma, conforme sejam os pensamentos produzidos pelo Espírito, transmitidos pelo perispírito assim será a situação do corpo físico: equilibrado ou desequilibrado. Ou como a música, afinada ou desafinada.
            Ele deu ênfase também a que se entenda a reencarnação como um processo educativo utilizado pela Providência Divina, em nosso benefício e não somente como uma punição pelo que fizemos no passado. A vida é sempre uma oportunidade para buscarmos a felicidade, a sabedoria, a transcendência.
            Muito sábia, também, foi a utilização de uma estória chamada “a ilha das emoções” para exemplificar a importância de não sermos egoístas, vaidosos, avarentos, mas, sim, que possamos buscar viver e doar amor, compaixão, bondade, gentileza. Cada emoção é comparada com alguns sintomas presentes em algumas síndromes que tanto maltratam a nós, Espíritos encarnados e desencarnados. Resumindo, a palestra dele foi muito boa, e se não escrevo muito foi por causa do sono que me atrapalhou em alguns momentos. A forte chuva no dia anterior não ajudou muito a chegar nem a sair do evento com rapidez suficiente para permitir um descanso satisfatório.
            O segundo conferencista do dia a se apresentar foi o Décio Iandoli Júnior, que é médico e estava incumbido de abordar o tema “Contribuição da Física Quântica no processo de interação mente/corpo – Comprovações científicas das informações de André Luiz”. Assunto bastante delicado e que foi tratado com extremo respeito e prudência pelo Décio. Diferentemente do que pudemos analisar no texto do Baccelli [1], já publicado neste blog, o Décio teve muito cuidado para não cair em exageros.
Ele iniciou sua abordagem apresentando uma síntese do estudo e desenvolvimento da Física desde as primeiras observações da realidade material, sensível pelos primeiros filósofos e pensadores até os avançados estudos em torno da estrutura dos átomos, quarks e todo o universo infinitamente pequeno proporcionado pela Física Quântica. Sobre este tema, sugiro a leitura de um ótimo livro de autoria de Marcelo Gleiser intitulado A Dança do Universo. Neste livro, o autor faz um passeio entre as primeiras tentativas de explicação do universo até a revolução proporcionada pela ciência moderna. Um caminho idêntico ao que tentou fazer, embora muito resumidamente, o Décio. Embora o autor se considere ateu, a obra é leitura obrigatória para quem deseje compreender o progresso da ciência.
Em seguida o Dr. Iandoli abordou a importância que teve para a ciência a fragmentação do saber permitindo assim a sua divisão em partes sucessivas para que o homem pudesse aprofundar ainda mais seus conhecimentos. Entretanto, esta visão cartesiana se tornou prejudicial pelo fato de cada especialista acabar limitado em seus conhecimentos, pois normalmente um indivíduo passa dez, vinte anos estudando apenas uma área, o que acaba gerando uma visão incompleta do mundo. Como exemplo, ele contou a seguinte estória: uma pessoa encontra-se em frente a um prédio (que podemos chamar de faculdade), com várias salas (uma área de estudos, p. ex. biologia ou psicologia); escolhendo uma sala, essa pessoa escolhe também um armário e neste armário escolhe uma gaveta passando a estudá-la por uns 25 anos. Qual seria a reação desta pessoa se alguém viesse lhe perguntar após todo esse tempo qual seria a cor do prédio? Este é um exemplo pertinente, pois tem muita gente que faz o mesmo com o Espiritismo. Afeiçoa-se com o lado moral/religioso do Espiritismo e passa a estudar com afinco este aspecto e todas as obras disponíveis que abordem o assunto. Aqui ou acolá, fala sobre o aspecto filosófico (que acha chato e enfadonho) e sobre o científico (que mesmo sendo a base da doutrina, lhe parece muitíssimo difícil). Qual seria a resposta deste indivíduo se alguém viesse lhe perguntar por que a doutrina espírita é Ciência? E porque ele é Filosofia? E se essa pessoa não se se contenta com respostas superficiais, saberia ele aprofundar o assunto, se permaneceu tanto tempo focado em apenas um aspecto?
A apresentação dele foi ponderada o suficiente, e, ao contrário do que fez o Baccelli em seu artigo, ele soube fundamentar muito bem a sua defesa da conexão entre trechos do André Luiz e alguns avanços da Física Quântica. Embora eu endosse a fileira dos que pedem muita calma e prudência ao envolverem o Espiritismo e a Física Quântica, seus raciocínios foram claros e lógicos. Tudo bem que ele falou mais das nossas escolhas, da influência do observador sobre a realidade, daquilo que está mais próximo da nossa realidade sensível, material e não da espiritual, querendo forçar conceitos de hiperespaço ou universos paralelos como se fossem teorias explicativas da realidade espiritual. Entretanto, eu queria ter tido a possibilidade de estar acompanhado de um colega físico [o Alexandre Fontes da Fonseca, por exemplo] para que pudesse analisar com mais profundidade a argumentação utilizada pelo Iandoli Júnior.
Para encerrar os comentários sobre esta conferência, de acordo com a exposição do Dr. Iandoli, vale ressaltar que conforme a teoria quântica a realidade como a entendemos surge como um resultado [colapso] da escolha que fazemos dentro de um leque de possibilidades. Das personalidades citadas por ele, anotei os nomes Pin Van Loomel e Herms Romijin, sendo que o primeiro também fora utilizado pela Irvênia Prada em sua conferência. Outro que merece ser lembrado é o Edgar Morin, também citado. E o encerramento da sua palestra foi sobre a possibilidade de união dos conhecimentos da Física, Filosofia e da Biologia, como exemplo da importância da fusão dos conhecimentos para a percepção da realidade como um todo, resultando em uma visão global, holística. Ao contrário da visão parcial gerada pela fragmentação do conhecimento, como acontece atualmente, onde temos que escolher uma gaveta, entre as várias contidas no armário para estudarmos detalhadamente. No fim, acabamos por não saber nem quantas gavetas havia naquele armário se não soubermos buscar o ‘todo’.
A terceira apresentação do dia foi de responsabilidade de Irvênia Prada para abordar o tema “A trajetória do Ser espiritual – Da animalidade à angelitude – Evolução e funções do cérebro como órgão de manifestação da mente”. Sua apresentação foi muito instrutiva e ela soube explicar muito bem o tema. Questões como ‘são médiuns os animais’, ou, ‘por que sofrem os animais’ foram muito bem respondidas. A primeira já foi respondida desde o lançamento de O Livro dos Médiuns, quando Erasto assim se expressa:

“Sabeis que tiramos do cérebro do médium os elementos necessários para dar ao nosso pensamento a forma sensível e apreensível para vós. É com o auxílio dos seus próprios materiais que o médium traduz o nosso pensamento em linguagem vulgar. Pois bem: que elementos encontraríamos no cérebro de um animal? Haveria ali palavras, letras, alguns sinais semelhantes aos que encontramos no homem, mesmo o mais ignorante? Não obstante, direis, os animais compreendem o pensamento do homem, chegam mesmo a adivinhá-lo. Sim, os animais amestrados compreendem certos pensamentos, mas acaso já os vistes reproduzi-los? Não. Conclui, pois, que os animais não podem servir-nos de intérpretes”. [7]

Uma leitura atenta do capítulo onde está inserida a dissertação de Erasto é obrigatória para todo aquele que deseja compreender por que não são médiuns os animais. Kardec e os Espíritos Instrutores nunca foram tão claros e objetivos. Já sobre o sofrimento, ela explicou que não devemos entendê-lo como algo ruim, mas como um elemento necessário ao progresso de tudo o que vive neste mundo material. A dor, antes de ser entendida como punitiva, deve ser entendida como educativa. E pelo fato de o princípio inteligente dos animais estarem habitando corpos perecíveis, nada mais natural que eles estejam sujeitos às vicissitudes inerentes a este corpo.
Como médica veterinária especialista, soube abordar muito bem o tema, nos dando uma ideia de toda a trajetória evolutiva do ser espiritual pelas formas materiais aqui neste orbe. Três livros, entre os citados em sua palestra, eu coloco como sugestão de leitura: A Biologia da Crença, Evolução em dois Mundos e Evolução Anímica. Este último, de autoria de Gabriel Delanne, é fantástico. Como já disse, a palestra dela foi muito instrutiva. Muito boa mesmo!
A última palestra do sábado ficou a cargo do Sérgio Felipe de Oliveira com o tema “Perispírito – Animismo – Mediunidade e suas relações de interdependência – Uma abordagem científica à luz da doutrina espírita”. Reconhecido nacional e internacionalmente pelos seus importantíssimos estudos sobre a Glândula Pineal, era, de fato, o conferencista mais aguardado. O tema por si só era instigante, e ele parecia a pessoa certa para abordá-lo. Infelizmente só parecia. Embora todo o cabedal de conhecimentos que ele deva possuir a primeira parte da sua palestra (1h e 10min) foi usada em uma ‘pequena’ introdução e um desabafo que ele achou por bem fazer naquele momento. Falou de muitas coisas, desde os estudos de Jung com uma médium (sua prima) sobre a mediunidade (conforme relatado no primeiro volume das suas obras completas, no capítulo II), até a importância dos dirigentes espíritas estarem mais bem preparados, bem como os centros espíritas, para poderem atender pessoas acometidas de processos obsessivos mais graves, não interditando a educação mediúnica a quem precise realmente exercê-la com a desculpa de que ela precisa primeiramente estudar, para depois praticar; o que em São Paulo, em alguns centros e federações, pode levar até cinco anos! Claro que não vamos abrir as portas da reunião mediúnica a qualquer que o deseje, ou por qualquer motivo. Entretanto, o bom senso deve imperar e as exceções existem para mostrar que nada é tão estático que não precise ser reavaliado. E há casos de pessoas acometidas por processos obsessivos onde ela seria muito melhor assistida em reuniões especias, emergenciais mesmo, onde ela pudesse educar a sua mediunidade, sendo instruída teórica e experimentalmente a uma só vez.  Mas, no que se refere ao raciocínio apresentado pelo Sérgio, além de concordar, entendo-o como uma exceção, não como uma regra. Vale à pena deixar este ponto bem destacado.
Entretanto, como eu disse, a primeira parte passou e o tema principal ficou à deriva, como um navio encalhado à espera da maré alta para poder retornar ao seu destino. O intervalo serviria, dentro deste exemplo, para dar tempo da maré encher e permitir que o tema, como o navio, pudesse alcançar o seu destino.
Em seu retorno do intervalo, ele parecia que iria abordar o tema. Entretanto, só parecia. Começou falando do seu projeto, a Uniespírito (www.uniespirito.com.br), onde deseja realizar estudos sobre mediunidade e a realidade espiritual, apresentou um artigo em inglês (The mind e the brain), citou os livros de Machado de Assis (O alienista e Obras póstumas de Brás Cubas), relembrou o CID – 10 e sua classificação sobre ‘estados de transe e possessão’ e apresentou imagens muitíssimo interessantes sobre a glândula pineal. Entretanto, o assunto, como antes do intervalo, continuava à deriva. Nenhuma conceituação sobre o perispírito nem sobre o animismo nem sobre a mediunidade! Mesmo ele sendo uma pessoa engraçada, engajada, com muitos conhecimentos, duas hipóteses surgiram entre as conversas que tive com alguns participantes sobre o fato do tema principal não ter sido abordado: 1) ou ele não se preparou devidamente, independente de haverem motivos ou não que o tivessem impedido de fazê-lo; ou 2) ele subestimou os participantes achando que o tema era complexo demais para ser abordado. Pode haver outras mais, entretanto estas foram as mais fortes para tentar explicar o motivo de após mais de duas horas de apresentação o assunto não ter dado as caras no Teatro Guararapes.
Assim terminou o segundo dia do SIMESPE, com apresentações muito boas e com um enigma ao final. Espero que em seu retorno, para participar de algum outro evento aqui em Pernambuco, ele possa cumprir o objetivo que lhe possa ser proposto: abordar o tema de fato e sem introduções que durem mais de uma hora. Ele tem potencial para muito mais, e quem assistiu aos seus vídeos disponíveis na internet sabe disso. Até aqui, também, cabe parabenizar os organizadores deste evento pela qualidade, pela organização e pelo empenho apresentados.
Para o domingo, terceiro e último dia do VI SIMESPE, teríamos no período da manhã uma entrevista com os palestrantes do sábado e no período da tarde a apresentação de mais duas conferências. Após isso, ainda teríamos ao final a psicografia e leitura das ‘cartas consoladoras’ pelo Carlos Baccelli.
O primeiro e o segundo bloco de perguntas foi bastante variado, entretanto, poucas foram as perguntas mais embasadas, mais profundas. As dúvidas, em sua maioria, eram relativamente pouco complexas e foram muito bem respondidas. Entretanto, uma pergunta me chamou a atenção. Foi a que pedia esclarecimentos ao Décio sobre as crianças índigo. Ele, muito sabiamente preferiu não responder alegando não possuir conhecimentos sobre o assunto que o permitissem dar uma resposta satisfatória e nem desejava ser leviano ao falar do que não conhece. Já o Sérgio Felipe pediu a palavra para dizer que não acreditava nesta teoria por não ver lógica nela. Eu concordo, embora respeite quem acredita, mas prefiro as explicações claras e lúcidas da codificação sobre a nova geração, conforme expus no artigo sobre “Os Espíritos da Nova Era” [8]. (vale à pena clicar no link disponível do lado direito do blog para acessar o Jornal Mensagem editado pela Associação Brasileira de Pedagogia Espírita para conhecer um pouco melhor a origem desta ideia que não se coaduna com os princípios espíritas)
Após o almoço a primeira palestra esteve sob a responsabilidade de Ângela Maria Menezes com o tema “Experiências de quase morte – A ciência da vez mais perto da realidade espiritual – Teorias científicas sobre o mundo espiritual e suas relações com o mundo material”.
A bibliografia que fundamentou a base de sua abordagem foram os livros “O que acontece quando morremos” de autoria de Sam Parnia e “Vida depois da Vida” do Raymond Mood Jr, além do já citado Pin Van Loomel.
Ela relacionou os aspectos positivos e negativos que ocorrem durante uma EQM, como a visão de um Espírito elevado, geralmente um parente que desencarnou antes de nós ou a visão de um Espírito inferior, que pode estar cobrando algo ou apenas atormentando um “quase liberto”. A luz no fim do túnel, a visão de parentes já falecidos e a sensação de paz são elementos quase sempre presentes em experiências deste tipo.
Importante ressaltar a experiência pessoal da conferencista que ao dar à luz seu primeiro filho entrou em coma por mais de 40 dias e pôde vivenciar aquilo que muitos pesquisadores supõem existir. Seu testemunho é dos mais valiosos. Sua palestra foi muito boa ao final.
Geraldo Lemos foi o responsável por apresentar o último tema: “Espiritismo, alavanca libertadora de consciências – A vivência dos postulados espíritas construindo a saúde mental”. Não foi das mais instrutivas, em minha opinião. Ele gastou boa parte do seu tempo em apresentar o nosso sistema solar, a via láctea, a constelação de Andrômeda, e várias outras constelações em um visível esforço para demonstrar que não temos motivos para sermos vaidosos por habitar não só um dos menores planetas do nosso sistema solar, mas, da nossa constelação, ante a magnitude do universo.
Após isso, ele usou e abusou das citações retiradas das obras psicografadas por Francisco Cândido Xavier, o famoso médium mineiro. Como em outros eventos e palestras, parece que tudo gira em torno apenas do que o Chico Xavier produziu através da sua mediunidade. Que fique claro: não sou contra o estudo e análise da vida e obra deste médium mineiro exemplar como indivíduo e com possibilidades mediúnicas amplas. Só não posso me furtar a dizer que existe vida antes e depois do Chico. Pena que tem palestrantes que parecem que só vivem e respiram Chico, Emannuel e André Luiz. Geraldo é um deles. Não fosse seu depoimento recente no jornal Folha Espírita ao revelar informações que, segundo ele, lhe foram fornecidas em segredo por Chico Xavier e acharia que foi um caso isolado, sem muita importância.
Neste ínterim ele aborda a obra do André Luiz e expõe sua opinião sobre a existência dos diversos corpos espirituais relatados em seus livros. Existiriam o corpo causal, mental (inteligência), astral (sentimentos) e os chakras que interpenetrariam todos os corpos. Mais uma vez, não sou de dizer que isso é impossível de existir, apenas digo que não se conforma com a concepção do perispírito oferecida pelo Espiritismo quando afirma que os sentimentos e a inteligência são reflexos do Espírito e que o perispírito é um órgão de manifestação do Espírito, não comportando esta definição a ideia de vários corpos perispirituais como a encontramos hoje em obras espíritas de influência espiritualista. A concepção dos ‘chakras’ (os centros de força na obra de André Luiz) oriunda da tradição espiritualista carece de muitas pesquisas para serem aceitos como princípios doutrinários, assim como a definição da ‘aura’ inserida no Espiritismo não reflete nem de perto aquilo que Kardec denominou de ‘atmosfera perispiritual’.
Somente nos últimos 20 minutos sua palestra pareceu realmente abordar o assunto proposto, embora fosse perceptível a presença de Emannuel e a ausência de Kardec, Léon Denis, Gabriel Delanne entre outros que poderiam contribuir com reflexões oportuníssimas sobre o tema abordado. Outro problema é a insistência em querer definir o Espiritismo como Religião e em afirmar que ele o é por ‘religar’ o homem a Deus, dado o hábito de supor que a palavra religião corresponde ao latim religio e que este deriva do verbo religare. Esta palavra significa “tornar a atar, ligar bem, prender, amarrar” e coisas do mesmo tipo. Entretanto, o famoso pensador romano Marcus Tulius Cícero, anterior ao Cristo, admitia religio como oriunda da palavra relegere, ou seja: recolher, reler, voltar. A ideia básica era a de que o homem religioso cuida respeitosamente do culto a Deus. Este raciocínio, exposto por Carlos Toledo Rizzini, vem complementar o que acima dissemos baseado em suas reflexões:

“Aurelius augustinus (Santo Agostinho) decidiu que religião vinha de religare, conforme se explicou acima. O pensamento fundamental presente nesta etimologia é que a religião consta de vínculos que unem o homem ao seu Criador. Todavia, o que é subjacente a tal conceito é o mito do pecado original [...]. Uma vez que o casal primevo transmitiu o seu ‘pecado’ a toda posteridade, o ser humano nasce inquinado, já enodoado pelo erro moral (embora cometido por outros há milênios...). É bem de ver que os rituais e dogmas religiosos têm por meta livrá-lo do estado pecaminoso e religá-lo a Deus. [...] O que sucede quanto ao Espiritismo é que tal concepção lhe é inadequada. Visto não julgar o homem um ser decaído desde a origem. Ao contrário, declara-o um ente em evolução, cujas imperfeições são naturais e proporcionais ao nível de progresso espiritual alcançado. [...] Em consonância com o exposto, Kardec e seus seguidores imediatos negaram fosse ela (a doutrina espírita) mais uma religião, apontando-a, antes, como Filosofia e Ciência (de consequências morais, acrescentamos nós)” [grifos e acréscimos entre parênteses nossos]. [9]

Resumindo, minha opinião sobre sua apresentação é que ela não atingiu o objetivo, ficando na média. Talvez, em outras palestras, que eu não tenha assistido tenha sido diferente e ele tenha alcançado pleno êxito. Entretanto, por esta palestra, a opinião corrente é que ele ficou devendo. E que fique claro: isso não foi opinião isolada de quem escreve estas linhas.
O fim do dia ainda reservava muitas emoções. Chegava o momento das já habituais “cartas consoladoras”, psicografadas por Carlos Baccelli. Particularmente estava apreensivo e procurava analisar o que iria acontecer com a necessária frieza para tentar colher detalhes. Estava desconfiado e não nego isso. Entrevistar as famílias que anseiam receber uma carta de um parente desencarnado pareceria um fator que influenciaria negativamente o fenômeno, por permitir que se pudesse supor uma influência inconsciente provinda das informações adquiridas durante a entrevista. Entretanto, para quem compreende as relações fluídicas entre encarnados e entre estes e os desencarnados, entende que, da mesma forma que preparar com antecedência as perguntas que se desejam fazer durante uma evocação permitem que os Espíritos possam criar uma relação fluídica melhor com evocador e médium, facilitando a comunicação e transmissão das informações; no caso do Baccelli, o efeito parece ser o mesmo.
Além do mais, como permanecer frio ante a emoção reinante não só no semblante choroso dos parentes agraciados com informações de seus entes queridos, mas, no próprio ambiente, como que a refletir a emoção dos próprios Espíritos comunicantes? A atenção da platéia é um belo exemplo de como é impossível permanecer indiferente.  A cada mensagem lida, risadas, lágrimas e muita emoção. É um esposo que consola a esposa que fica para que siga com a sua vida. É uma mãe que elogia o filho, sua garra ante a saudade e as dificuldades da vida. É um filho que consola a mãe. É uma esposa que estimula o trabalho caritativo, a necessidade do esposo ainda encarnado superar o luto e seguir em frente. É um ex-trabalhador da instituição Seara de Deus que envia um recado particular e outro geral. Enfim, uma nota sempre presente é o bom humor, a descontração e a vontade de estimular os seus a seguirem em frente, a mudarem as emoções ainda presentes. É deixar de chorar ao olhar a foto da pessoa a quem se ama, de beijá-la e lavá-la com lágrimas. Enfim, este foi um momento muito belo, tocante e único!
Um evento belíssimo. É assim que posso definir este VI SIMESPE. E não pensem que é hipocrisia, pois não é. As observações e críticas feitas aos palestrantes, longe estão de afetar o prestígio do evento, visto que ao convidar alguém para apresentar determinado assunto, você sempre espera que ele possa cumprir com a sua responsabilidade. Das resenhas que já fiz, não existiu um único evento que não apresentasse estes mesmos probleminhas. E se formos mais longe, mesmo em congressos universitários, ou não, nacionais ou internacionais, isto acontece. Portanto, que muitos possam ver estas críticas como um estímulo para que possamos buscar aquilo que é o ideal. Devo elogiar a organização do evento, a organização do palco, o telão disponível para melhor visualização do público bem como a TV colocada em frente à mesa dos palestrantes como forma de minimizar torcicolos. Senti falta, apenas, de mais stands com livrarias espíritas, até mesmo com a presença da Federação Espírita Pernambucana. Esperava que ela estivesse por lá divulgando a Mostra Espírita 2011.
Enfim, parabéns ao Mário Jorge e a todos aqueles que fizeram e participaram deste evento. Parabéns pela escolha do tema, de muito bom gosto e de alto nível. Parabéns por manter uma estrutura que permite aos palestrantes um desenvolvimento satisfatório do tema e uma abordagem muito mais rica em informações. Parabéns pelo desejo, expresso no cuidado e nos detalhes percebidos por quem participou do mesmo, de fazer deste evento um diferencial espírita no estado. Mas, antes de desejar que 2012 venha com muito mais emoções e informações, fica aqui a dica, se ela servir para algo: porque não sondar palestrantes como Cosme Massi, Sergio Aleixo, Lizt Rangel, Heloísa Pires, Astrid Sayegh, Jáder Sampaio entre outros que poderiam nos brindar com apresentações muitíssimo ricas? A maioria dificilmente se vê por estas bandas. Fica a dica Mário Jorge, já que te prometi uma resenha, deixo também uma sugestão, que é prestar atenção nestes nomes. E se poderia sugerir um tema para análise, que tal pensar neste trecho constante da conclusão de O Livro dos Espíritos, item VI:

“Seria fazer uma ideia bem falsa do Espiritismo acreditar que a sua força decorre da prática das manifestações materiais e que, portanto, entravando-se essas manifestações, pode-se minar-lhes as bases. Sua força está na sua filosofia, no apelo que faz à razão e ao bom senso. Na antiguidade ele era objeto de estudos misteriosos, cuidadosamente ocultos ao vulgo. Hoje não tem segredos para ninguém: fala uma linguagem clara, sem ambigüidades; nada há nele de místico, nada de alegorias suscetíveis de falsas interpretações”.

É claro que é só uma sugestão, bem ousada eu o sei, mas, nosso desejo é que não só esta resenha sirva, mas que a sugestão também. Para você que leu esta resenha e não foi ao evento, é uma pena, pois, perdeu uma ótima oportunidade. Ainda bem que ano que vem tem mais. E para você que leu esta resenha e ao chegar aqui não concorda com o que expomos e acha que exageramos em muitos pontos, tudo bem. Você pode estar certo, ou não. Aqui, apenas expus minha opinião daquilo que vi e senti. E como não consigo ficar imparcial, vou colocando um comentário meu aqui e ali. Se esta resenha for útil a pelo menos uma pessoa já me sentirei com o dever cumprido. Assim, que Deus nos abençoe hoje e sempre e que venha o VII SIMESPE em 2012! E sem fim do mundo, por favor!!!


[1]http://analisesespiritas.blogspot.com/2011/05/obra-de-andre-luiz-e-fisica-quantica.html
[2] Kardec, Allan. A Gênese, os milagres e as predições segundo o Espiritismo. 21ª edição, São Paulo, LAKE, 2003. Cap. I, item 55, p. 37.
[3] ________. Idem. Cap. I, item 13, p. 15.
[4] ________. O Livro dos Médiuns. Trad. da 2ª Ed. francesa por J. Herculano Pires. SP – LAKE, 2004. Cap. XXVI, item 287, p. 272.
[5] ________. O Fenômeno Espírita. Parte Terceira, Conselho aos médiuns e aos experimentadores, p. 201.
[6] ________. O Livro dos Médiuns. Cap. IV, p. 12, observação, p. 63.
[7] ________. Idem. Cap. XXII, item 236, p. 215.
[8] http://analisesespiritas.blogspot.com/2010/10/os-espiritos-da-nova-era.html
[9] Rizzini, Carlos Toledo. Fronteiras do Espiritismo e da Ciência. Parte II, p. 70.