quarta-feira, 27 de abril de 2011

A importância da nomenclatura para a unidade futura do Espiritismo

Consolidado O Livro dos Espíritos em 1857 e tendo em vista que as manifestações espíritas provocavam um grande número de ideias novas, Allan Kardec observou que a linguagem usual era inadequada para representá-las. Sendo estas ideias expressas através de analogias, nada mais natural que surgissem palavras ambíguas e discussões intermináveis na tentativa de explicar estes fenômenos.


Daí a importância de existirem vocábulos definidos de forma clara, sempre tendo um termo para cada coisa; entendendo-se isso, o foco da discussão deixava de ser a definição da palavra, passando a ser a idéia por trás dela. Isto o leva a afirmar que ”o Espiritismo, tomando as proporções de uma ciência, necessita de uma linguagem científica”. [1]


Desejando atingir o objetivo de colocar em ordem estas ideias, novas e ainda bastante confusas, é que o codificador se dispôs a enumerar todas as palavras que se referissem direta ou indiretamente à Doutrina Espírita, dando forma ao primeiro vocabulário espírita no livro Instruções Práticas sobre as Manifestações Espíritas, lançado com o objetivo de oferecer explicações sucintas e suficientes a respeito destas ideias para que fosse possível fixá-las.


Este vocabulário, com cerca de 160 verbetes, marca a primeira tentativa do Codificador de organizar um Dicionário de Filosofia Espírita. Ao colocá-lo em ordem alfabética, ele permitiu que se recorresse com facilidade às definições e informações referentes ao espiritismo. O codificador criou palavras novas, como espírita, espiritista e espiritismo, para explicar as ideias relativas aos espíritos. Ele evitou se apropriar dos termos ‘espiritualista’ e ‘espiritualismo’, que já existiam, por possuírem uma significação própria bem definida.


Desta forma, Kardec afirmou que estas palavras formaram a base da nomenclatura da Ciência Espírita, já que para exprimir os fenômenos especiais desta ciência eram necessários termos especiais. O Espiritismo possuía, a partir deste momento, a sua nomenclatura. A propósito, a definição dada pelo dicionário para ‘nomenclatura’ é “conjunto de palavras específicas de uma área de conhecimento”.


Pode-se observar o reforço deste raciocínio nesta citação: “A Ciência Espírita deve ter o seu vocabulário como todas as outras ciências. Para compreender uma ciência é preciso, em primeiro lugar, compreender-lhe a terminologia; eis a primeira coisa que recomendamos àqueles que desejam realizar um estudo sério do Espiritismo”. [2]


Se para compreender uma ciência é preciso compreender-lhe a sua nomenclatura, como é que muitas pessoas querem conhecer de maneira profunda o Espiritismo lendo apenas romances ou autores que abordam os princípios contidos dentro da Codificação? É importante não ignorar que um estudo sério do Espiritismo deve contemplar as obras escritas por Kardec, não só o que se convencionou chamar de ‘pentateuco’, mas obras como O que é o Espiritismo, as Revistas Espíritas e Obras Póstumas que são tão importantes quanto. As Revistas, por exemplo, após o lançamento de O Livro dos Espíritos se tornaram o laboratório de Kardec, de onde ele retirou o material necessário para confeccionar as demais obras da codificação. É indispensável não esquecermos isto.


Com este raciocino, Kardec adverte para que ninguém se iluda em suas pretensões, visto que por ser extenso o estudo do espiritismo, seria leviandade querer aprendê-lo em algumas horas. Para aprender uma ciência, como a Espírita, é preciso um estudo metódico: primeiro entender sua nomenclatura para depois seguir o encadeamento das idéias.


“Está provado que o Espiritismo é mais entravado pelos que o compreendem mal do que pelos que não compreendem absolutamente, e, mesmo, pelos inimigos declarados. E é de notar que os que o compreendem mal geralmente têm a pretensão de o compreender melhor que os outros; e não é raro ver neófitos que, ao cabo de alguns meses, pretendem dar lições àqueles que adquiriram experiência em estudos sérios”. [5]


Entendida a importância desta nomenclatura e do estudo metódico e aprofundado do Espiritismo, José Herculano Pires, em nota de rodapé em O Livro dos Médiuns, afirma que “a terminologia espírita deve ser empregada com precisão, evitando-se a mistura de termos referentes a escolas espiritualistas diversas. È uma exigência de clareza e eficiência de todas as disciplinas científicas e da qual a Ciência Espírita não prescinde”. [1]


Esse cuidado que Herculano Pires ressalta é necessário para que se possa manter a unidade doutrinária do Espiritismo. E isso não significa manter o Espiritismo eternamente como nos deixou o Codificador, mas, respeitar a sua estrutura metodológica para fazê-lo progredir de forma segura, verdadeiramente científica. Sobre isto o codificador ratifica:


"Para garantir a unidade no futuro, é indispensável que todas as partes do corpo da Doutrina sejam determinadas com precisão e clareza, sem que nenhuma fique mal definida. Neste sentido temos feito todo o esforço para que os nossos escritos não se prestem a interpretações contraditórias e esforçar-nos-emos por manter essa regra". [4]


Esta condição é indispensável porque nada deve ficar vago para não permitir interpretações contraditórias e discussões intermináveis. Assim, se surgirem grupos que não adotem alguns princípios espíritas, ou todos, não será pela falta de clareza e precisão do texto, mas por uma interpretação puramente pessoal. Este exemplo pode ser observado nos vários sentidos que são dados às palavras do Evangelho.


Aqui cabe incluir a definição de Kardec sobre a postura que deve ter um verdadeiro Espírita: "é, pois, um dever para todos os espíritas sinceros e devotados repudiar e desaprovar abertamente, em seu nome, os abusos de todos os gêneros que poderiam comprometê-la, a fim de não assumir-lhes a responsabilidade; pactuar com esses abusos seria tornar-se cúmplice deles, e fornecer armas aos nossos adversários". [3]


Como podemos observar atentamente, Kardec não propõe uma postura de falsa santidade ante os abusos de todos os gêneros que possam ser cometidos contra a doutrina, principalmente, neste caso, relativo às tentativas de inovação terminológica sem sentido que surgem de vez em quando. Não propõe o silêncio e a prece como únicas formas de defender a doutrina contra o assalto de adversários hipócritas e astutos, do tipo que se fantasiam de espíritas para semear a discórdia.


Propõe-nos o codificador uma atitude franca, pública para desaprovar qualquer tipo de abuso que possa ser observado; e o fato de não se manifestar é, aos olhos de Kardec, e por extensão dos próprios espíritos codificadores, concordar com esses abusos, tonando-se cúmplices e fornecendo, assim, armas aos adversários do Espiritismo. Esta orientação é de suma importância por respaldar ações que visem impedir a disseminação de obras confusas, de não facilitar a divulgação de opiniões individuais dos Espíritos como se fossem leis gerais, universais e irrefutáveis.


Deste modo, reiteramos as afirmações feitas por Herculano Pires, quando diz que “não há mais lugar para comodismos, compadrismos, tolerâncias criminosas no meio espírita. Cada um será responsável pelas ervas daninhas que deixar crescer ao seu redor. É essa a maneira mais eficaz de se combater o Espiritismo na atualidade: cruzar os braços, sorrir amarelo, concordar para não contrariar, porque, nesse caso, o combate à doutrina não vem de fora, mas de dentro do movimento doutrinário[6].


Como disse Kardec certa vez, cabe a nós, [...], aos que vêem no Espiritismo algo além de experiências mais ou menos curiosas, fazê-lo compreendido e espalhado, tanto pregado pelo exemplo quanto pela palavra. Até porque “como lhes é preciso varrer as ideias antigas, forçosamente encontram adversários que as combatem e as repelem, sem falar nas criaturas que as tomam em sentido contrário, que as exageram ou desejam acomodá-las a seus gostos e opiniões pessoais” [5].


Boas reflexões!


Referências bibliográficas:

[1] Kardec, Allan. O Livro dos Médiuns. SP – LAKE, 2004, p.138

[2] ________. Instruções Práticas sobre as Manifestações Espíritas. 6ª edição, Ed. O Clarim. p.16

[3] _________. Revista Espírita. RJ – FEB, 2006, Junho de 1865, p. 259

[4] _________. Obras Póstumas. SP – LAKE, 2007. Segunda Parte, p. 282

[5] _________. Viagem Espírita em 1862 e outras viagens de Kardec. RJ: FEB, 2005. p. 240 e 241

[6] Pires, J. Herculano. Curso Dinâmico de Espiritismo, cap. XIX, p. 152